Leonardo Barreto na Crusoé: O finito contém o infinito
Nenhuma trama se encerra verdadeiramente, mas apenas é atropelada por outra que se inicia e que vai mudando
O primeiro livro que li de Mário Vargas Llosa, escritor peruano falecido no último dia 13, foi A Guerra do Fim do Mundo, que romanceou o conflito de Canudos, ocorrido no interior da Bahia nos anos de 1896 e 1897 e que terminou com a morte de perto de 20 mil seguidores de Antônio Conselheiro e de 5 mil militares.
Menino que era, li a obra sem me atentar sobre quem era o autor e antes de ter contato com Os Sertões, de Euclides da Cunha, o trabalho que retratou a luta do arraial de Belo Monte que teve como base as memórias e os artigos escritos pelo autor enquanto servia como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo.
Os estilos de ambos, claro, eram completamente diferentes. Mas quem lê um e outro, tem a impressão de que está tendo acesso aos diários daqueles que participaram da guerra, sendo impossível dizer que Vargas Llosa também não esteve no sertão baiano.
Uma capacidade de projeção tão extraordinária que não se limita à separação espacial – 6.061 quilômetros separam Canudos e Lima, no Peru, ou temporal, considerando que Vargas Llosa publicou seu livro 84 anos após a loucura.
Além disso, tanto ele, quanto Euclides da Cunha, tinham a capacidade de contar os eventos vestindo a pele e as lentes de cada personagem, ora do militar, ora do crente, ora do jornalista.
Fiodor Dostoievski, no livro Os Irmãos Karamazov, usando uma dinâmica narrativa que imita a vida no sentindo em que nenhuma trama se encerra verdadeiramente, mas apenas é atropelada por outra que se inicia e que vai mudando as prioridades e as circunstâncias, tornando as pessoas num poço de histórias inacabadas, mas misturadas, também há essa sensação de infinito contido no finito.
Em um momento de desespero pela aparente perda da amada Grúchenka, o irmão devasso, porém honrado, Dmitri Fiodorovitch Karamázov, reza enquanto planeja se matar: “Glória ao Altíssimo no mundo! Glória ao Altíssimo em mim!”
Mítia, diminutivo de Dmitri, ordena então a Deus – não ao Deus de todos, mas ao seu próprio – que, se for o caso de enviá-lo para o inferno, que o faça, se possível, sem julgá-lo. Quem pode ordenar a Deus que Ele não faça o que é da Sua natureza fazer?
Em Agosto nos Vemos, obra póstuma do colombiano Gabriel Garcia Márquez que, segundo sua família, ele não tinha certeza se queria ou não que fosse publicada, conta-se a vida de Ana Magdelena Bach que, uma vez por ano, visitava uma ilha onde sua mãe havia escolhido ser enterrada.
Cada visita, um amor diferente, um sujeito diferente e, também, uma Ana diferente. E, ao final, a pergunta se repete: quantas Anas existem em uma Ana? Esta não é uma pergunta para ser respondida.
No final, não há solução, explicação lógica ou justificativa redentora porque não há o que redimir. Existe apenas o desfecho, a parada, a interrupção.
Ou o soco.
Foi assim que terminou a amizade entre Vargas Llosa e Garcia Márquez. Amigos, companheiros no boom da literatura latino-americana, terminaram a vida sem se falar.
Não pelas dissidências ideológicas em torno de Fidel Castro e da desilusão socialista ou pela competição intelectual, mas por ciúme. Se o finito…
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