Josias Teófilo na Crusoé: Cancelamento, macumba e antifragilidade
Feitiço só funciona em quem acredita
Para a edição de número 323 de Crusoé, Josias Teófilo traz em sua coluna uma análise de que o cancelamento é comparado à magia: só funciona em quem acredita, e seu impacto real pode causar um efeito cascata de autocensura no meio artístico.
O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss num artigo memorável demonstra como a eficácia da magia em sociedades indígenas depende da crença na própria magia. E isso se dá em três aspectos fundamentais: a crença do feiticeiro na eficácia das suas técnicas; a crença do doente que ele cura ou persegue; e a confiança coletiva nesse processo. No caso de um sujeito que é enfeitiçado, ele é intimamente persuadido de que está condenado, e o resultado é que “a integridade física não resiste à dissolução da personalidade social” e ele morre.
Já vi artigos relacionando o artigo de Lévi-Strauss, chamado O Feiticeiro e sua magia, à prática de cancelamento atual. De fato, as semelhanças são bastante impressionantes, se bem que o resultado acaba sendo mais uma morte social, ou a perda de um emprego. E como no caso das sociedades mágicas, acreditar (e se ressentir) é parte do processo para a morte social ou profissional. Vi ao menos um caso que se enquadra perfeitamente nesse padrão: em 2017 o cineasta Marcelo Pedroso lançou o documentário de longa-metragem Por trás da linha de escudos, sobre os embates entre a polícia e os movimentos sociais no Recife, porém mostrando também o lado da polícia, humanizando os policiais. O filme passou em dois festivais – em Cachoeira e Brasília – mas foi mal recebido pela crítica e Marcelo teve uma crise pessoal. Disseram-me que até entrou em depressão. Tirou o filme de circulação. Em 2023, finalmente, lançou uma nova versão do filme, em que faz uma reflexão sobre o original – à maneira de João Moreira Salles em Santiago.
Ele justificou a própria síncope dizendo o seguinte: “Diante do processo histórico que estamos vivendo, nos pareceu impossível continuar veiculando aquele filme”. Nunca imaginei que crítica ou repercussão negativa levasse um cineasta a retirar o filme de circulação e entrar em depressão. Mas me pergunto: e se ele tivesse ignorado solenemente e mantido o filme? Talvez tivesse sido bem recebido em alguns setores, e até tido uma vida profissional mais profícua do que a que aparentemente teve nesses anos. Ele acreditou na macumba feita contra ele – para usar um termo mais brasileiro que magia (se você acha que o termo macumba é pejorativo recomendo ler o que Antonio Risério escreveu sobre o assunto).
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