Jerônimo Teixeira na Crusoé: O centro não se sustenta
Como o poema citado por uma revista inglesa para comentar as eleições francesas define nosso estado de desilusão política
Em sua coluna semanal para a edição de número 322 de Crusoé, Jerônimo Teixeira faz uma análise sobre o primeiro turno das eleições francesas e destaca a reportagem de capa, da semana passada, da revista inglesa The Economist.
Na bandeira tricolor que tremula contra o céu, a cor branca que deveria ocupar a posição central simplesmente desapareceu. Uma nuvem clara toma o lugar da faixa ausente, entre o pano azul, preso no mastro à esquerda, e o vermelho, absurdamente suspenso em pleno ar, à direita. A capa da revista The Economist da semana passada quase parece uma imagem de René Magritte, pintor belga que gostava de brincar com as ilusões de realidade a que a arte nos acostumou.
Azul, branco e vermelho são as cores nacionais da França, tema da reportagem de capa da revista inglesa. A edição saiu antes do primeiro turno das eleições para a Assembleia Nacional, em 30 de junho, mas isso não comprometeu a análise: o resultado foi aquele previsto pelas pesquisas de opinião. O centro que se desvanesce na bandeira é Emmanuel Macron, grande derrotado do pleito. O segundo turno, neste domingo, deve definir se, nos três anos que lhe restam como presidente, Macron será acompanhado de um primeiro-ministro da esquerda ou da direita. Sua coligação ficou em um humilhante terceiro lugar.
No Brasil, comentaristas de um canal de notícias se exaltaram ao discutir a natureza do grande vencedor das eleições, a Reagrupamento Nacional. É direita nacionalista ou extrema direita? The Economist definiu o partido de Marine Le Pen como “hard right” – em tradução literal, “direita dura”, expressão que achei saborosa – e não demonstrou alarme com sua vitória. O receio não é que a França se converta ao fascismo: o que a reportagem lamenta é que o novo primeiro-ministro possa emperrar a abertura econômica capitaneada por Macron, pois tanto direita quanto esquerda são protecionistas e populistas em questões fiscais.
Não tenho interesse nem competência para julgar se essa avaliação está correta. O que capturou minha atenção na Economist, além da sacada visual da capa, foi o título: “France’s centre cannot hold”. Em tradução livre, o centro da França não se segura, ou não se sustenta.
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