Jerônimo Teixeira na Crusoé: A candidatura de Joe Biden tornou-se um deep fake
Ao insistir na reeleição do presidente senescente, o Partido Democrata perde a confiança do eleitor e o contato com a realidade
Em sua coluna semanal para Crusoé, Jerônimo Teixeira escreve uma análise sobre a candidatura à reeleição de Joe Biden. Segundo ele, neste ano eleitoral nos Estado Unidos, o país está vendo uma farsa política se gestar às claras e em tempo real.
Estacionado em um beco sórdido, o furgão tem as portas de trás escancaradas, expondo sua mercadoria: rifles, metralhadoras, bazucas, lança-foguetes. Ao centro do compartimento de carga, avulta a figura portentosa do vendedor de armas: Kim Jong-Un. No chão do beco, à direita, um comprador estende a mão ao comerciante. É Vladimir Putin.
A imagem foi publicada no X, antigo Twitter, por meu amigo Leonardo Coutinho, jornalista e autor de Hugo Chávez, o espectro. Ilustrava uma crítica sucinta ao alinhamento do governo brasileiro com duas ditaduras belicistas. Coutinho deixou um aviso no post: “Não deveria ser necessário avisar que a imagem foi gerada por inteligência artificial. Mas… aqui vai. É uma imagem criada por AI”.
De fato, deveria ser óbvio. Ditadores gerenciam o comércio da morte em seus palácios, não em ruelas escuras. O criador da imagem apenas encontrou uma forma criativa de representar a união espúria de Rússia e Coreia do Norte, mais ou menos ao modo dos chargistas tradicionalmente publicados nas páginas de opinião dos jornais (como é próprio do humor gráfico, a imagem até exagerou um tantinho a obesidade de Kim Jong-Un). Mas, como a imagem se parece com uma fotografia, a cautela de Coutinho se justifica.
Dias depois, eu mesmo quase comprei como verdadeira uma imagem fabricada. Era um vídeo, também publicado na casa de Elon Musk, no qual uma turba de jovens manifestantes americanos vibrava quando uma banner gigante do aiatolá Ali Khamenei era desfraldado sobre a entrada do Museu do Brooklyn, em Nova York. Ora, se em alguns protestos houve gente carregando a foto de Yahya Sinwar, principal planejador do ataque bárbaro a civis isralenses em outubro do ano passado, por que essa turma não aplaudiria também o aiatolá iraniano que financia o Hamas? Mas a inscrição absurda no banner dava a pista de que se tratava de uma sátira: “O Líder Supremo agradece vocês, meninos e meninas americanos”.
Deep fake é o nome que se dá a essas criações digitais. Há quem se preocupe com seu uso na manipulação do eleitorado, mas, até agora, a internet vem se auto-regulando com eficiência e rapidez. A foto manipulada de Kate Middleton com os filhos e as imagens falsas de Donald Trump cercado de apoiadores negros foram rapidamente desmascaradas.
Tendo a achar que a inteligência artificial não mudará substancialmente o modo como fabricações, contrafações e distorções circulam no debate público. As imposturas mais eficientes do universo político dispensam ferramentas digitais. Algumas delas são até encampadas por parte considerável dos profissionais que deveriam denunciá-las – os jornalistas. No Brasil, tal é o caso da chamada “restauração da democracia”.
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