J. Teixeira na Crusoé: As falsidades da conversa sobre fake news
A obsessão dos jornalistas brasileiros com as tais notícias falsas distancia o jornalismo da notícia real
Fake news: peguei nojo. E ando entojado da expressão, não tanto do elusivo objeto que ela designa. Pois o problema das duas palavras em inglês está justamente na esquizofrenia semântica que as aflige sempre que são reunidas. Na aparência, essa conjunção simples de adjetivo e substantivo parece falar de uma realidade facilmente compreensível e traduzível: notícias falsas. Mas o uso foi estreitando o sentido. A política, mais uma vez, deformou a linguagem.
Durante o governo que se encerrou no último dia de 2022, fake news designava sobretudo as notícias falsas espalhadas por ocupantes do Planalto e adjacências. Até aí, a restrição política do sentido era justificável: dos perigos das vacinas às urnas eletrônicas fraudadas, aquela turma foi mesmo pródiga em invenções alucinadas. Desde que “o Brasil voltou”, porém, o significado literal da expressão sofreu corrosões sucessivas, até se deformar por completo: fake news são notícias falsas sobre o governo – aliás, são notícias descontextualizadas sobre o mesmo governo – ou, na verdade, notícias desfavoráveis ao governo – e não só notícias propriamente ditas, mas opiniões contrárias à democracia (que agora é sinônimo de “governo”), sobretudo se divulgadas em rede social.
O leitor talvez tenha acompanhado a triste treta entre uma comentarista de canal de notícias e uma pesquisadora ligada a um instituto acadêmico que monitora temas políticos na internet. O episódio ilustra bem as distorções que a fixação patológica nas tais fake news impôs à prática jornalística. A comentarista fez um editorial contra as mensagens (todas falsas, segundo ela) que circulavam pela rede acusando a ausência do Estado no socorro às vítimas da enchente no Rio Grande do Sul. Amparou-se em um levantamento feito pelo instituto universitário. A pesquisadora foi ao X (ex-Twitter) corrigir a comentarista: o levantamento na verdade não aferiu se o conteúdo das postagens era falso ou verdadeiro. Seguiu-se uma daquelas discussões que, como dizia Otto Lara Resende, produzem mais perdigotos do que luz. Os tuiteiros que terçam armas na guerra cultural foram ao delírio. A pesquisadora foi afastada de suas funções; a comentarista segue no canal de notícias. Universidade e imprensa poderiam ter passado sem esse vexame.
Sabe…
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