Ives Gandra: 8 de janeiro foi baderna semelhante à do PT e MST
"8 de janeiro não foi golpe de Estado, foi uma baderna semelhante ao que o PT e MST fizeram na Câmara dos Deputados na Presidência de Michel Temer", afirmou Ives Gandra em entrevista ao Estadão
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Em entrevista ao Estadão, Ives Gandra Martins, 89, professor emérito da Faculdade de Direito do Mackenzie, comentou sobre o papel da Suprema Corte, sobre a forma de escolha dos seus ministros e sobre o seu papel na contenção dos chamados “atos golpistas” do 8 de janeiro de 2023. O jurista falou também sobre suas expectativas em relação à atuação de Flávio Dino e criticou a politização do STF.
Flávio Dino: magistrado ou político?
Questionado acerca de suas expectativas quanto à atuação de Flávio Dino na condução dos julgamentos da Suprema Corte, Ives Gandra ressaltou que Dino foi juiz federal concursado e que o referido concurso era bastante exigente, o que sugere que Dino tem a competência jurídica necessária para conduzir bem os julgamentos. Disse então esperar “que prevaleça o magistrado e não o político”, mas seu receio”é que tal não aconteça.
Sobre uma atuação independente ou alinhada ao governo Lula, Ives Gandra afirmou: “Lula espera que seja alinhado com o Palácio, pois disse que teria um ministro comunista e político. Minha esperança é que sabendo da importância de ser ministro e já tendo sido magistrado, é que se curve às exigências do direito e não da política, mas tenho receio do contrário”.
Segundo o emérito jurista, Dino deveria seguir “o exemplo daqueles que fizeram a história da Suprema Corte. Talvez, o ministro Moreira Alves seja o melhor modelo” que evitava sempre falar sobre questões submetidas ao Tribunal. Porém, desabafa Ives Gandra, “tenho também receio que não o siga.”
“Não foi isto que os Constituintes desejaram para o STF”
Segundo Ives Gandra Martins, os magistrados do atual Supremo Tribunal Federal, ao adotarem correntes “como da ‘jurisprudência constitucional’, ‘consequencialismo’ ou ‘neoconstitucionalismo’, têm invadido a competência legislativa, tanto do Congresso como do Executivo. Data máxima vênia”, não foi isto que os Constituintes desejaram para o STF […] ao assim agirem, descumprem a Constituição deixando de ser só guardiões para serem legisladores suplementares, quando não, primários”.
Apesar das críticas, Ives Gandra não se mostra favorável à proposta de fixação de mandato para ministros do STF, mas tem sugestões para reformular o processo de escolha:
“Não sou favorável a mandatos, pois traria maior instabilidade, mas gostaria que os ministros não fossem escolhidos com o livre arbítrio de um homem só, mas sim de uma lista de 18 nomes indicados: 6 pelo Conselho Federal da OAB, 6 pelo Ministério Público (3 Estadual e 3 Federal) e 6 pelos Tribunais Superiores (2 STF, 2 STJ e 2 TST). Dos 18 nomes indicados, acrescenta, “8 seriam magistrados e 3 com alternância de indicação do Ministério Público e da Advocacia”.
A mudança proposta evitaria que o critério de escolha fosse, como nos últimos tempos, o de ter sido amigo do presidente da República.
8 de janeiro: baderna ou golpe?
Ao comentar sobre os eventos de 8 de janeiro de 2023, Ives Gandra afasta a interpretação de golpe de Estado:
“8 de janeiro não foi golpe de Estado porque sem armas e sem as Forças Armadas seria impossível um golpe. Basta dizer que um punhado de soldados, sem um tiro, prendeu mais de 1.700 manifestantes. Foi uma baderna semelhante ao que o PT e MST fizeram na Câmara dos Deputados na Presidência de Michel Temer, com destruição de suas dependências e com punições próprias de uma baderna e não de um golpe. A insistência do STF de que teria sido um golpe fracassado não resiste aos fatos, sendo um dos motivos de desgaste da imagem da Corte perante a opinião pública”.
Levando em conta sua interpretação de que se tratou de uma baderna e não de um golpe, Ives Gandra critica o exagero das penas impostas pelo Supremo aos baderneiros:
“Considero exageradas penas de pessoas sem nenhum passado criminal. 17 anos para pais de família e manifestantes que, pela ocasião, se tornaram baderneiros e teriam que ser punidos por isto, indiscutivelmente com penas muito menores”.
Questionado se concordava ou não que o Supremo, como guardião da Constituição, deveria conter os atos antidemocráticos e a violência contra a sede dos poderes, Ives Gandra responde:
“Estou de acordo que teria que conter. Os atos não são próprios de uma democracia adulta. Continuo, todavia, convencido […] que nunca houve o menor risco de golpe, algo que dizia desde agosto de 2022. Por isto, considero que teria que punir e, a meu ver, por juízes de 1ª instância, à falta de foro privilegiado, mas por baderna e não por golpe”.
Outro ponto abordado pelo jurista, advogado, professor e escritor foi a restrição do direito à ampla defesa dos que foram julgados pelos atos de 8 de janeiro:
“Considero que a ‘ampla defesa’, assegurada pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição foi consideravelmente reduzida, numa violação do texto maior. O adjetivo ‘ampla’ da Constituição não poderia ser tornado menos ‘ampla’ ao retirar a sustentação oral perante todos os ministros, e sendo ouvida por todos os brasileiros, se quisessem. O STF reescreveu a Constituição no artigo 5º inciso LV colocando um redutor na dicção constitucional ao tornar a defesa ‘menos ampla’. É a opinião de um velho ex-professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, que se sente orgulhoso de ostentar o título de professor emérito da Instituição”.
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