Gustavo Nogy na Crusoé: Um fantástico anonimato
Murilo Rubião me faz lembrar Franz Kafka. Pela concisão, que ressaltava o maravilhoso; pelo comedimento, que tornava mais eloquente o absurdo
Na América de língua espanhola, o realismo mágico ou fantástico foi, mais do que um movimento com sentido de propósito ou unidade, uma espécie de centro gravitacional estético que atraiu autores muito diferentes entre si na ambição, no estilo, no vetor ideológico e na qualidade.
De Jorge Luis Borges a Juan Rulfo, de Julio Cortázar a Alejo Carpentier, numa lista onde constam ainda outros nomes, como Isabel Allende, Adolfo Bioy Casares e Mario Vargas Llosa, tal poética serviu como experimento estilístico e temático que, por circunstâncias históricas e políticas, veio bem a calhar.
A obra-símbolo é e continuará sendo Cem Anos de Solidão, do colombiano Gabriel Garcia Marquez.
Tão mágico quanto a proposta, entretanto, foi o aparecimento quase simultâneo de tantos criadores desse calibre. Milagres acontecem.
No Brasil, país enorme e periférico que se julga o centro de uma enorme periferia, não foram muitos os escritores que escaparam às demandas do regionalismo e do realismo urbano na metade do século 20, para se arriscar em mares poéticos nunca dantes navegados. Como se, de algum modo, fôssemos vastos e inesgotáveis demais para dar atenção ao inacreditável.
Contudo, para nossa sorte, nem todos deixaram de perceber as possibilidades narrativas do que se apresentava: José J. Veiga foi um deles, e dos mais importantes, mas o maior artista desse realismo expandido foi, ao menos para o meu gosto, Murilo Rubião.
Nascido em Minas Gerais, em 1916, sua vida contraria sua obra: funcionário público, chefe de gabinete, jornalista como tantos.
Uma vida ordinária de quem produziu literatura extraordinária. Tanto melhor. Um estilista de primeira, com uma imaginação muito maior do que as poucas dezenas de páginas que se permitiu publicar.
Detestava a espontaneidade, e burilou seus contos com atenção de entomologista.
A literatura de Murilo Rubião me faz lembrar a de Franz Kafka. Pela concisão, que ressaltava o maravilhoso; pelo comedimento, que tornava mais eloquente o absurdo.
Assim como Kafka…
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