Deputados tentam incluir Judiciário na reforma administrativa
Se aprovada pelo Congresso, a reforma administrativa poderá, enfim, acabar com uma série de regalias e com os supersalários no funcionalismo público. O problema, ao menos por enquanto, é que o texto do Executivo exclui o Poder Judiciário, onde se concentram os maiores privilégios. Um grupo de deputados, porém, considera que é possível incluir juízes e procuradores nos cortes -- dentro dele estão, por exemplo, o relator da proposta, Arthur Maia (DEM-BA), e o presidente da comissão especial que discutirá o texto, Fernando Monteiro (PP-PE)...
Se aprovada pelo Congresso, a reforma administrativa poderá, enfim, acabar com uma série de regalias e com os supersalários no funcionalismo público. O problema, ao menos por enquanto, é que o texto do Executivo exclui o Poder Judiciário, onde se concentram os maiores privilégios.
Um grupo de deputados, porém, considera que é possível incluir juízes e procuradores nos cortes — dentro dele estão, por exemplo, o relator Arthur Maia (DEM-BA), e o presidente da comissão especial que discutirá o texto, Fernando Monteiro (PP-PE).
A proposta enviada em setembro pelo governo extingue benesses típicas dos magistrados, como férias de 60 dias por ano; aposentadoria compulsória como punição; além dos diversos penduricalhos na remuneração que extrapolam o teto salarial do serviço público (R$ 39,2 mil): adicionais por tempo de serviço, auxílios para moradia, alimentação, saúde, gratificações, etc.
Estudo elaborado pelo Partido Novo (baixe aqui), com base em dados de 2019, mostra que esses adicionais fazem com que a média salarial na magistratura seja de R$ 46,2 mil. Indenizações e recebimentos eventuais somam cerca de R$ 12,6 mil, em média, na folha de pagamento dos juízes. O levantamento apontou que 71% dos contracheques de fevereiro a julho daquele ano ficaram acima do teto.
A dificuldade para incluir juízes e procuradores na reforma, porém, enfrenta obstáculos de ordem jurídica, institucional e política.
As associações da magistratura e do Ministério Público argumentam que, do ponto de vista constitucional, não podem ter a estrutura remuneratória alterada por uma proposta de iniciativa do Executivo — dizem que isso representaria uma interferência de outro poder.
Afirmam que permitir que o governo e o parlamento mexam em seus rendimentos e condições de trabalho comprometeria a independência da Justiça e do MP. Por fim, apostam que a eventual inclusão dos juízes e procuradores na reforma seria posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que tenderia a aceitar esses argumentos.
“Não há como proposta do Executivo interferir em matérias dos demais Poderes e Instituições de Estado, que gozam de autonomia, independência e, inclusive, iniciativa legislativa própria, sob pena de vulnerar o postulado da Separação de Poderes e o próprio Estado Democrático de Direito”, diz Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros e coordenadora da Frentas, que reúne as principais associações de juízes e membros do MP.
Não é, porém, o que pensam quem agora está à frente das discussões na Câmara. Designado na última quarta (9) relator da proposta, Arthur Maia (DEM-BA) disse a O Antagonista que “não há dúvida de que é plausível” a inclusão de juízes e procuradores.
“Afinal de contas, nós estamos mudando o que está na Constituição. Se o Legislativo não pode mudar a Constituição, não é mais Poder Legislativo. Obviamente que podemos. E nós não estamos reorganizando o Poder Judiciário. Estamos estabelecendo regras gerais para todos os funcionários”, afirmou.
“Do ponto de vista político, difícil politicamente é explicar que nós vamos fazer uma lei para regulamentar a condição do assessor que ganha R$ 3 mil e deixar de fora quem ganha R$ 40 mil. Isso não dá para fazer. Praticamente nenhum parlamentar aceita que a reforma seja apenas para o Executivo e deixe de fora o Judiciário e o Legislativo”, completou.
Em linha semelhante argumenta o presidente da comissão especial da reforma, Fernando Monteiro (PP-PE).
“O governo enviou a PEC, mas quem vota e pode modificar ela toda é o Congresso. Não há nada que possa não entrar, em se tratando de uma PEC. Minha intenção é ajudar a modernizar o Estado brasileiro e essa PEC é o primeiro passo. A comissão vai dialogar com muitas pessoas: economistas, juristas, representantes do serviço público, sindicatos. Então, acredito que legalmente pode-se incluir. Agora, o momento político para incluir vai ter que ser avaliado quando começar a discussão”, disse à reportagem.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), por sua vez, tenta colher as 19 assinaturas restantes do total de 171 necessárias para uma PEC paralela que promoveria uma reforma administrativa com juízes, procuradores e militares.
Seja qual for o caminho — aprovar um novo texto ou incluir modificações no atual –, ele não será fácil.
Um parlamentar atento ao tema disse a O Antagonista que há grande risco de o STF derrubar a inclusão em caso de aprovação. “No mérito, eu concordo. Quem ganha mais são os magistrados e membros do MP, que ainda têm função vitalícia. A maioria do Congresso pode optar por inclui-los na reforma. Mas pode ser uma batalha de Pirro, se o Supremo derrubar.”
Uma alternativa para evitar que a reforma administrativa emperre é aprová-la só para o Executivo e cortar os benefícios do Judiciário em outras propostas que já tramitam no Parlamento. Um projeto de lei contra os supersalários já foi aprovada no Senado, delimitando o que pode e o que não pode ser pago fora do teto. A bola agora está com os deputados.
Também está na Câmara uma PEC que acaba com as férias de 60 dias. O relator, Fábio Trad (PSD-MS), disse que, se os juízes e procuradores não forem inseridos na reforma, vai ouvir todas as associações para avançar com a proposta. Para Trad, assim como a reforma, a proposta para reduzir as férias pode ser aprovada mesmo que não tenha sido proposta pelo Judiciário.
“O vício de iniciativa ocorreria se houvesse regulamentação e interferência no funcionamento do poder Judiciário. No meu modesto sentir, não existe isso. O que tem é uma questão administrativa, burocrática, que não interfere na atividade jurisdicional. Por outro lado, privilégios devem ser enfrentados sim, por iniciativa do Legislativo ou Executivo. O que não pode é a sociedade deixar de discutir”, afirmou a O Antagonista.
Ele acrescenta que nenhuma das propostas mexe nas prerrogativas dos magistrados e membros do MP que garantem sua independência: a inamovibilidade (que proíbe que governantes e legisladores transfiram juízes para outros lugares) e a própria irredutibilidade dos salários, que não incluem os penduricalhos. “Não é ser radical, mas é ser justo”, disse.
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