Dennys Xavier na Crusoé: O país da esculhambação
O uso seletivo da anistia anula sua função de justiça restaurativa e a converte em privilégio legislativo
“Misólogos são aqueles que, decepcionados com um argumento que os iludiu, se voltam contra todos os argumentos.” (Platão)
Costuma-se perguntar: como explicar às futuras gerações o que hoje atravessamos neste país?
Mas o estado presente de tal modo se tornou hostil à razão, tão profundamente marcado por misologia, que já não podemos mais aguardar o futuro para nos explicar.
Impõe-se uma formulação mais urgente: como narrar, no presente, o que vivemos, quando as palavras já não significam, os argumentos já não convencem, e a verdade foi proscrita do debate público?
O exemplo mais notório dessa misologia é o atual paradoxo institucional que assola a pobre república da Zumbilândia: de um lado, assiste-se à realização de um julgamento histórico sobre uma tentativa de golpe de Estado: um gesto que, ao menos formalmente, pretende resguardar a legitimidade constitucional.
De outro, simultaneamente, articula-se no Congresso uma anistia ampla que pode dissolver, por decreto, as responsabilidades dos envolvidos.
Não se trata de opor, que reste claro, de maneira simplista, o julgamento à anistia, como se o primeiro representasse a verdade e o segundo, a mentira.
Ambos (e é isto que denuncia o estado misológico da coisa) foram tomados por forças que desprezam os princípios e os critérios objetivos da razão pública.
O que impera é a conveniência, o oportunismo, a manipulação de símbolos para fins de domínio. Onde quer que se olhe, vê-se a lógica subvertida por estratégias de poder.
A própria instância judicial, que deveria ser o último bastião da racionalidade normativa, está impregnada por vícios teatrais.
Em vez de se assentar no logos do Direito, nas categorias fixas do ilícito e da responsabilidade individual, o julgamento assume traços performáticos, voltados não à justiça, mas à legitimação de um projeto e a questões de foro absolutamente subjetivo.
O resultado é trágico: um povo não sabe mais o que é justo, porque todos os discursos que tentam dizê-lo já chegam envenenados pela suspeita de…
Siga a leitura em Crusoé. Assine e apoie o jornalismo independente.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)