Crusoé: Tilápias não sabem sambar
Reflexão carnavalesca sobre o derrotismo da reunião ministerial de julho de 2022, quando Bolsonaro falou sobre o povo "sucumbir ao comunismo"
Ruim da cabeça, doente do pé: não pulo Carnaval. Minha cadeiras duras não respondem ao tamborim, meu pulso lento não bate junto com o bumbo. Os sambas que mais aprecio são aqueles que se podem ouvir sentado – Preciso me encontrar, de Cartola, Timoneiro, de Paulinho da Viola, Desde que o samba é samba, de Caetano e Gil, ou qualquer samba interpretado por João Gilberto. Não é ranhetice da idade: desde sempre fui assim, doente da cabeça, ruim do pé.
Não faço parte da bagunça, mas simpatizo com esses dias de permissividade sexual e espontaneidade popular (excluo daí o carnavalzinho oficialesco em que o Centrão desfila no sambódromo com uma escola de samba financiada por uma cidade que está literalmente afundando). A caminho de um boteco para o almoço do sábado passado, minha família cruzou com vários blocos de rua no Centro de São Paulo. Achei divertido ver tantas mulheres em trajes diminutos (para escândalo do reacionarismo carola) e homens em roupas femininas (para horror da patrulha progressista). Menos agradável foi o número de foliões que encontramos urinando nos muros e paredes (quase todos homens, mas vi pelo menos uma mulher agachada no meio fio). Que fazer? Trata-se de um evento de massa com alto consumo de cerveja…
Em um improvável momento proustiano, o odor da urinação pública me transportou ao Carnaval de 2019, quando o então presidente Jair Bolsonaro divulgou no Twitter (atual X) o infame golden shower em um bloco gay de São Paulo. Considerações morais à parte, resta o fato de que o caso não merecia a atenção de um chefe de Estado. O presidente do Brasil, em particular, não deveria reduzir uma festa de imensa importância cultural e econômica a uma cena isolada – um episódio que, a despeito do clima de “liberou geral” próprio do Carnaval, não é representativo do que acontece nas ruas: aliviar-se nas calçadas é prática comum nos festejos, mas são poucos que transformam isso em performance. A escatologia não define o Carnaval.
A cabeça de Bolsonaro…
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