Crusoé: Psoríase, Carnaval, política, crime e castigo
O folião é alguém esmagado sob o peso da responsabilidade de se divertir de modo exaustivo no Carnaval; é possível ver o desespero nos olhos
Sim, é possível julgar esteticamente doenças de pele, como se manchas de psoríase fossem quadros abstratos. Por que não? Se você insistir em fazer isso, vá em frente. Mas não há maneira melhor de passar o tempo?
É como julgar esteticamente os restos de decoração de uma festa infantil, à uma da manhã, depois que as crianças e os pais foram embora: os papéis coloridos esmagados no chão com variadas marcas de tênis, os rostos de personagens infantis levemente deformados, as bandejinhas com manchas de brigadeiro, os tocos de cigarro dentro do copo de guaraná sem gás.
Me ensinaram na escola que o Carnaval era a inversão temporária da vida real — uma interrupção abrupta da responsabilidade, da disciplina, da ordem, da seriedade. Mas a mim me parece, vendo as imagens dos bloquinhos e dos desfiles das escolas de samba, ou pelo menos imaginando que estou vendo essas coisas, porque na verdade este ano consegui não ver nenhuma imagem — High five!… — enfim, a mim me parece que o Carnaval é não a interrupção mas a intensificação súbita, durante vários dias, da responsabilidade, da disciplina, da ordem e da seriedade.
O folião é alguém esmagado sob o peso da responsabilidade de se divertir de modo exaustivo; é possível ver nos seus olhos o desespero do estivador enquanto se arrasta pelo asfalto urinado; ele é um operário da folia, um proletário do remelexo, um estressado gerente administrativo da alegria esfuziante, fazendo planilhas de Excel da sua dopamina, relatórios horários da sua rígida descontração.
Acabado o Carnaval, ele relaxa; e para nada na sua vida profissional usará tanto foco, tanta tensão nervosa, tanta capacidade organizacional e energia psíquica quanto teve que usar para se divertir. Mas no trabalho só ganhará dinheiro e reconhecimento como recompensa do seu esforço, ao contrário dos sapinhos e do leve ardor ao urinar que recebeu de bônus nos dias de produtividade ensandecida do Carnaval.
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Vejo Itamar Vieira Junior dizer para a Folha de S. Paulo: “Escrevo para tornar a vida de uma líder quilombola responsabilidade de todos que querem um país mais justo”. Uma mentira, evidentemente: é óbvio que ninguém escreve por ser bondoso demais para conseguir ficar sem escrever, e todo mundo só escreve porque acha que leva jeito para a coisa. É natural fazer aquilo que achamos que sentimos que fazemos bem…
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