Bolsonaro e Mandetta: o medo e a inveja emburrecem
A esta altura, Jair Bolsonaro já deveria ter dado uma guinada como Donald Trump e reconhecido a gravidade da doença causada por um vírus sobre o qual pouco se sabe -- e que ataca o coração dos sistemas de saúde de países ricos e pobres, incapazes de dar conta de tanta gente que precisa de cuidados de UTI ao mesmo tempo...
A esta altura, Jair Bolsonaro já deveria ter dado uma guinada como Donald Trump e reconhecido a gravidade da doença causada por um vírus sobre o qual pouco se sabe — e que ataca o coração dos sistemas de saúde de países ricos e pobres, incapazes de dar conta de tanta gente que precisa de cuidados de UTI ao mesmo tempo. Ele já deveria ter reconhecido que o isolamento social tradicional é, por enquanto, a única maneira de conter o avanço da Covid-19.
Bolsonaro até ensaiou fazê-lo no seu último pronunciamento televisivo, mas volta sempre a ser o mesmo quando fala de improviso na portão do Palácio do Alvorada.
O presidente está realmente convencido de que o desastre econômico recairá politicamente sobre as suas costas — e, por isso, defende o tal isolamento vertical, uma jabuticaba condenada pela lógica, já que a maioria dos velhos, que seriam praticamente os únicos a fazer quarentena, poderá ver-se contaminada com ainda mais facilidade por parentes e cuidadores que estariam livres para circular à vontade. O desastre não recairá sobre as suas costas, Bolsonaro: a economia do mundo inteiro está indo para a cucuia e o eleitor mais idiotizado sabe que isso não é culpa de governantes que tentam fazer o possível para evitar a quebradeira geral, o desemprego e a fome. O que não pode haver é hesitação no momento de usar a caneta. Os adversários a usarão para transformá-lo em ser humano desalmado ou titubeante — o que pode ser quase tão ruim para um presidente quanto não ter alma. Já o fizeram, aliás, com o coronavoucher.
Há, no entanto, outros dois componentes na atitude de Bolsonaro.
O primeiro é o medo de viabilizar uma eventual candidatura presidencial do ministro da Saúde, em 2022. É um medo paradoxal, visto que, para cancelá-lo, seria preciso que o presidente torcesse pelo fracasso de Mandetta — o que significaria, na prática, desejar que a epidemia de Covid-19 se espalhasse acima do projetado, com perda adicional de milhares de vidas de brasileiros.
O segundo componente, mas não menos importante, é humano, demasiado humano: a inveja em relação ao subordinado. Trata-se de um tipo de situação recorrente em quase todas as atividades humanas nas quais existem chefes inseguros e funcionários resolutos. Na política, contudo, é pecado capitalíssimo.
Sim, você já viu isso: Bolsonaro repete com Mandetta o que fez com Sergio Moro.
A esta altura, repito, Bolsonaro deveria reconhecer que errou. Ele nem precisaria fazê-lo explicitamente. Bastaria parar de falar sobre o assunto na base do improviso e permitir ao seu ministro da Saúde que continuasse a trabalhar sem ruídos.
Se não parar agora, o que recairá sobre as suas costas não será o desastre econômico inevitável, mas milhares de mortes de cidadãos. Se não parar agora, ele só inflará mais e mais a popularidade de Mandetta, como já ocorre de acordo com as pesquisas, transferindo automaticamente para si próprio eventuais responsabilidades pelo fracasso do seu subordinado, e não ganhando nenhum capital político se as providências do ministro minorarem o flagelo que se avizinha.
Alguém próximo a Bolsonaro precisa dizer a ele que o medo e a inveja podem emburrecer, ou emburrecer ainda mais, principalmente se tais sentimentos dominam um presidente da República.
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