Antissemitismo no vestibular da Universidade Estadual do Ceará
Três questões da prova de vestibular para ingresso no semestre 2024.2 da Universidade Estadual do Ceará (UECE), aplicada no último domingo, 28 de abril, foram denunciadas como antissemitas
Três questões da prova de vestibular para ingresso no semestre 2024.2 da Universidade Estadual do Ceará (UECE), aplicada no último domingo, 28 de abril, foram denunciadas como antissemitas.
A questão 27 traz o seguinte:
27 “Não terás outros Deuses diante de mim”. Segundo a Bíblia, essa frase teria sido dita por Jeová a Moisés, quando este conduzia o povo hebreu do Egito para a Palestina (o Êxodo). Nesse trajeto, Moisés subiu ao Monte Sinai recebeu de Jeová as Tábuas da Lei com os Dez Mandamentos. Esse episódio se constitui em um dos momentos mais importantes da história do povo hebreu. Atente para o que se afirma a seguir sobre essa história e assinale com V o que for verdadeiro e com F o que for falso.
( )A frase acima citada demonstra um esforço da elite judaica em direção a uma religião monoteísta assim como o reconhecimento da existência de outros deuses.
( ) A unidade política dos hebreus aconteceu na época dos Juízes que eram, ao mesmo tempo, sacerdotes e chefes militares.
( ) Depois da morte de Salomão, as dez tribos do Norte formaram o Reino de Israel e as duas tribos do Sul formaram o Reino de Judá.
( ) A posição das mulheres entre os hebreus era de muita importância, tanto que o estatuto da etnia hebraica era transmitido pela mãe.
Mesmo sem examinar as frases às quais deve se atribuir verdadeiro ou falso, nota-se já certa má-fé do enunciado ao se referir ao êxodo como a ida do povo hebreu para a Palestina. Ora, êxodo é a libertação do povo hebreu do cativeiro egípcio e seu percurso até a terra prometida pelo Senhor ao seu povo, a terra de Canaã. Israel é a Canaã bíblica.
Andrea Vainer, diretora jurídica da Conib – Confederação Israelita do Brasil, comentou que a questão 27 “deturpa de forma maliciosa o texto bíblico sobre o êxodo do Egito, buscando apagar os laços milenares do povo judeu com a Terra de Israel“. Andrea critica também o uso do termo “elite judaica”: “Como se sabe, Moisés conduziu o povo Judeu à Canaã, Terra de Israel. A denominação Palestina surgiu muito tempo depois, no Império Romano, não guardando absolutamente qualquer relação com o contexto da questão apresentada. Frise-se que o povo judeu foi escravizado no Egito. Portanto, é verdadeiramente inconcebível utilizar o termo “elite judaica” ao se referir a um povo escravizado, que fugia da perseguição no Egito”.
Na questão 29, a má-fé dos elaboradores da prova descamba para o antissemitismo escancarado. Após citação do livro Inferno, O Mundo em Guerra. 1939-1945, de Max Hastings pede-se para considerar as seguintes afirmações “a respeito dos custos humanos na Segunda Guerra Mundial”
I. O extermínio dos judeus foi uma decisão antieconômica na medida em que sua mão de obra
escrava poderia ter sido mais bem explorada pelos alemães.
II. Os maiores custos humanos da guerra foram pagos pelos soldados nos campos de batalha.
III. Os registros de Auschwitz-Birkenau, o mais notório complexo de campos de extermínio, enfatizam os números que apontam que este campo era exclusivamente destinado aos judeus.
No gabarito oficial, pasmem, o item I é indicado como correto. Sobre essa questão, a diretora jurídica da Conib comenta: “A resposta à questão 29 ofende e desumaniza, de forma flagrante e irreparável, a memória das vítimas do Holocausto, na medida em que normaliza as atrocidades cometidas contra o povo judeu pelo regime Nazista e aplica um cálculo de custo-benefício para avaliar o genocídio de 6 milhões de pessoas.”
Já parece grave o bastante? A Comissão Executiva do Vestibular (CEV) conseguiu descer ainda mais baixo no seu processo de aferir o nível de antissemitismo necessário para que alguém esteja apto a cursar das faculdades da UECE. A questão 35 refere-se diabolicamente (porque o ardil e a perversidade dessa questão é algo mais do que a má-fé) ao conflito Israel-Hamas ao mesmo tempo em que exige para gabaritar a questão que se defina o sionismo dessa maneira cretina:
O Conflito Israel-Hamas fez revigorar a discussão do aspecto expansionista territorial israelense no que suas lideranças políticas, militares e religiosas mais ortodoxas reivindicam ser seu o direito à autodeterminação em seu solo pátrio, razão pela qual defendem a colonização de áreas até então ocupadas desde longa data pelos palestinos. O movimento que tem tais conotações territorialmente expansionistas é denominado de:
A) semitismo.
B) assimilação.
C) sionismo.
D) judaísmo
Sobre a aberração que é a questão 35, Andrea Vainer afirmou que a questão “foi construída de maneira tendenciosa e carente de respaldo histórico, distorcendo a definição de Sionismo e instigando preconceitos e estereótipos contra a comunidade judaica”.
A repercussão em torno desse caso começou a partir da denúncia do sociólogo e pesquisador sobre antissemitismo contemporâneo, Matheus Alexandre. Segundo ele, “isoladamente, as questões podem parecer um acidente. No entanto, quando analisadas em conjunto na mesma prova, compreendemos sua intenção: transmitir uma narrativa unilateral que nega ao povo judeu sua história e relação originária com o território do Levante, além da absurda relativização do Holocausto”.
É imperioso que providências jurídicas sejam tomadas para que o antissemitismo não seja normalizado no nosso país. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) informou que vai oficializar o Ministério Público e a instituição de ensino por conta das questões.
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