Alexandre de Moraes diz que a censura não foi censura. Mas ela foi dupla
O ministro Alexandre de Moraes, entrevistado por Natuza Nery em evento promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, foi indagado pela repórter sobre a decisão de ter tirado do ar, em abril do ano passado, a reportagem da Crusoé que trazia o email de Marcelo Odebrecht no qual o empreiteiro se referia a Dias Toffoli como "o amigo do amigo do meu pai". O email estava entranhado na investigação oficial sobre o propinoduto da Odebrecht. Diante do escândalo geral, o ministro voltou atrás na decisão. Na sua resposta, Alexandre de Moraes repetiu a cantilena de que não foi censura: "A Constituição não proíbe a retirada de matérias, se ela for mentirosa. O que ela não permite é a censura prévia"...
O ministro Alexandre de Moraes, entrevistado por Natuza Nery em evento promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, foi indagado pela repórter sobre a decisão de ter tirado do ar, em abril do ano passado, a reportagem da Crusoé que trazia o email de Marcelo Odebrecht no qual o empreiteiro se referia a Dias Toffoli como “o amigo do amigo do meu pai”. O email estava entranhado na investigação oficial sobre o propinoduto da Odebrecht. Diante do escândalo geral, o ministro voltou atrás na decisão.
Na sua resposta, Alexandre de Moraes repetiu a cantilena de que não foi censura: “A Constituição não proíbe a retirada de matérias, se ela for mentirosa. O que ela não permite é a censura prévia”.
Trata-se de um sofisma do ministro também destinado, ao que parece, à autoilusão. Antes de mais nada, a reportagem da Crusoé era a mais pura expressão da verdade. Não há nada ali que avance para além da linha factual, inclusive, como disse, porque baseada nas vírgulas em documento extraído de um processo e reproduzido pela revista. A matéria foi retirada do ar, como apurou a Crusoé na ocasião, a pedido de Dias Toffoli, então presidente do Supremo Tribunal Federal. O principal interessado na suspensão da circulação de notícia verdadeira pediu e levou.
Cumprida a ordem judicial, uma agente da PF foi incumbida de ir à redação de O Antagonista, igualmente censurado, para me notificar que já estava sendo cobrada a multa pecuniária diária por desobediência à decisão de Moraes — que, no entanto, já havia sido cumprida havia horas. Aos meus olhos, tratou-se de evidente intimidação. Além disso, fui intimado a comparecer à Superintendência da PF em São Paulo, para prestar depoimento. Nem eu nem o meu advogado fomos informados em que condição eu estava lá: se de testemunha ou investigado. Para a nossa surpresa, o delegado afirmou que ignorava assim como nós. Relembro esses outros pontos para enfatizar que o ato autoritário e inconstitucional foi além da censura.
Ao contrário do que disse o ministro, foi censura, sim, e dupla. Explico. A reportagem ficou fora do ar por quase uma semana, até que fôssemos informados oficialmente da revisão da decisão de censura. Como o próprio ministro acabou tendo de reconhecer que a matéria era verdadeira e permitiu que voltasse a ser mostrada, a censura também passou a ser prévia pelo tempo durante o qual ela ficou suspensa. Nesse ínterim, Moraes arrogou-se o papel de censor que determina o que pode ou não ser publicado. O ministro, portanto, cometeu dois atos arbitrários em relação a um único fato.
Houvesse a Associação Brasileira de Jornalismo me convidado a debater com Alexandre de Moraes, acredito que o evento teria sido mais proveitoso. Espero que as juras de amor à liberdade de imprensa resistam à reportagem desta semana da Crusoé, que pode ser lida aqui, continuação bastante esclarecedora da matéria que foi censurada no ano passado.
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