Ação do governo sobre perfis em redes sociais é ‘inusitada’, dizem juristas
A ação do governo para que o STF suspenda o bloqueio das contas de bolsonaristas em redes sociais foi visto com certo constrangimento pela comunidade jurídica. O pedido, protocolado hoje, não tem a ver com o governo, com a União ou com políticas públicas federais. E não tem objeto definido. É um discurso, disseram diversos juristas ouvidos por O Antagonista...
A ação do governo para que o STF suspenda o bloqueio das contas de bolsonaristas em redes sociais foi visto com certo constrangimento pela comunidade jurídica. O pedido, protocolado hoje, não tem a ver com o governo, com a União ou com políticas públicas federais. E não tem objeto definido. É um discurso, disseram diversos juristas ouvidos por O Antagonista.
“Parece que jogaram para a torcida”, comentou um ministro do STF. “Isso é uma ação? Contra o quê? A petição do governo não aponta nada, só defende a liberdade de expressão”, disse um ex-advogado-geral da União.
A ação pede que o Supremo dê “interpretação conforme a Constituição” a trechos do Código de Processo Penal e do Marco Civil da Internet para proibir decisões judiciais de suspender contas em redes sociais porque elas violariam a liberdade de expressão dos atingidos.
“É inusitado”, comentou um jurista. Normalmente, o governo procura o Supremo para garantir suas competências, ou para defender uma política pública de seu interesse.
Pelo menos foi assim com as 13 ações diretas de inconstitucionalidade enviadas ao STF por presidentes da República desde 2000 (quando o STF passou a computá-las).
A ação de Bolsonaro sobre as redes sociais é a 14ª dessa lista. Mas é a primeira que não se refere ao interesse público, segundo a análise de um ex-AGU. “Eventual direito coletivo ou genérico não justifica a ação do presidente da República. E mover uma ação para defender interesses privados denota desvio de finalidade”, disse outro jurista.
No pedido ao STF, o governo reclama de “decisões judiciais” que violariam os direitos constitucionais de usuários de redes sociais. Mas não aponta que decisões seriam essas. “Arrisco dizer que ação sequer pode ser conhecida, porque para alegar conflito de decisões com a Constituição, precisa apontar o conflito de maneira concreta”, comentou o ex-AGU.
“Sabemos do que se trata pelo contexto político, o que deixa claro que isso não é assunto para o Supremo”, diz um advogado. É que o pedido do governo é uma ação direta de inconstitucionalidade, cuja função é discutir a interpretação constitucional de uma lei. E não recorrer de outras decisões judiciais. “Se o governo não concorda com alguma decisão, que recorra no próprio processo”, disse um advogado.
O “contexto político” é uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu perfis de investigados no inquérito das fake news no Twitter e no Facebook. A decisão havia sido tomada no fim de maio, mas só foi cumprida na sexta, depois que Alexandre ameaçou as empresas de multa.
Na ação, anunciada no fim de semana, mas ajuizada hoje no STF, o governo disse que as decisões são censura, porque proíbem manifestações futuras dos bolsonaristas atingidos.
“O bloqueio ou a suspensão de perfil em rede social priva o cidadão de que sua opinião possa chegar ao grande público, ecoando sua voz de modo abrangente. Nos dias atuais, na prática, é como privar o cidadão de falar”, diz a ação.
As decisões do ministro, entretanto, não são citadas na petição.
“Já pensou se a moda pega? O Supremo vai virar o tribunal da interpretação conforme, como se fosse um órgão de consulta”, brincou um advogado que já assessorou ministros.
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