Toffoli x Moro: a teoria do domínio da narrativa Toffoli x Moro: a teoria do domínio da narrativa
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Toffoli x Moro: a teoria do domínio da narrativa

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Felipe Moura Brasil
6 minutos de leitura 16.01.2024 11:27 comentários
Análise

Toffoli x Moro: a teoria do domínio da narrativa

A canetada de Dias Toffoli (foto) contra Sergio Moro carece de menção a qualquer elemento concreto que justifique a tramitação do caso no Supremo Tribunal Federal...

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Toffoli x Moro: a teoria do domínio da narrativa
Foto: Carlos Moura/SCO/STF

A canetada de Dias Toffoli (foto) contra Sergio Moro carece de menção a qualquer elemento concreto que justifique a tramitação do caso no Supremo Tribunal Federal.

Como o atual senador não tinha foro privilegiado em 2004, a decisão de determinar abertura de inquérito para apurar a conduta do então juiz usa pretextos genéricos para estender “até os dias atuais” a mera possibilidade de existência de abusos e, também, para envolver a esposa de Moro, Rosangela, atualmente deputada federal.

“A partir dos relatos de Tony Garcia, a autoridade policial entendeu que possam existir diversas situações de chantagens, coações, ameaças e constrangimentos até os dias atuais.

Com esse relato, entende a autoridade policial a necessidade, em momento oportuno, das oitivas de Gabriela Hardt, de Sergio Moro, de Rosangela Moro, de Deltan Dailagnol [sic] e de membros remanescentes do sistema de justiça criminal paranaense que compuseram a Força-Tarefa da Lava Jato ou nela ou com ela atuaram”, narra Toffoli.

Mas quais são os fatos — acontecimentos do mundo real — que embasam a narrativa sobre a possibilidade de “chantagens, coações, ameaças e constrangimentos”, praticados no exercício do cargo de senador? A Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República vão responder, especificar, detalhar? Ou tudo ficará convenientemente sob sigilo enquanto o ministro indicado por Lula — e disposto a desfazer a mágoa do padrinho que, quando preso, ele impediu de comparecer ao velório do irmão — avança contra o ex-juiz que condenou Lula e contra o qual Lula prometeu se vingar?

“Ambos os parlamentares”

Mais adiante na decisão, Toffoli volta ao ponto:

“Além disso, no que concerne à autoria delitiva, aponta o envolvimento das pessoas de Sergio Fernando Moro, Rosangela Maria Wolff de Quadros Moro, Deltan Martinazzo Dallagnot [sic], Januário Paludo, Carlos Fernando de Santos Lima e Carlos Zucolotto Júnior.

Destaca a existência de razoáveis indícios de que ambos os parlamentares podem estar abusando e exorbitando de seus poderes, com vistas a manipular o sistema de justiça criminal brasileiro.”

A expressão “ambos os parlamentares” só pode ser referência a Moro e Rosangela, já que Dallagnol – sobrenome que Toffoli escreve errado duas vezes – teve seu mandato de deputado federal cassado pelo TSE, quando o tribunal alterou a lei para punir o desafeto do poder de turno.

Narrativa

Mas quais fatos embasam a narrativa de que Moro e Rosangela “podem estar abusando e exorbitando de seus poderes” no exercício dos cargos de senador e deputada? Quais são os “razoáveis indícios” de que “ambos os parlamentares” visam “manipular o sistema de justiça criminal brasileiro”? Tudo ficará convenientemente sob sigilo enquanto se impõe a vingança contra a Lava Jato, apontada, inclusive, pelo então ministro e atual presidente do STF, Luis Roberto Barroso, ao votar contra a suspeição de Moro?

Curiosamente, o pedido de abertura de inquérito foi feito pela PGR no último dia da gestão do exterminador da Lava Jato, Augusto Aras, no final de setembro de 2023, com assinatura de sua então número dois, Lindôra Araújo, embora Tony Garcia, como a própria PF relatou ao Supremo no ano passado, tenha apresentado uma narrativa “longa, detalhista e por vezes confusa”.

Moro homologou a colaboração premiada firmada pelo ex-deputado Garcia no caso Banestado e acabou acusado por ele de exigir trinta “missões” de espionagem de juristas e políticos com escutas ambientais e interceptações em telefones. Nenhuma prova disso veio a público, muito menos explicação para Garcia falar agora a respeito, e com propriedade, de casos supostamente ocorridos mais de dez anos depois na Lava Jato e vinte no Congresso.

Paulo Gonet, o ex-sócio de Gilmar Mendes que Lula indicou para suceder Aras na PGR, vai responder sobre elementos concretos nunca antes revelados? Ou vai ousar contrariar a ala anti-Lava Jato do Supremo, integrada pelo padrinho?

A julgar pela superficialidade da decisão de Toffoli, ministro outrora tão diligente contra alegações não materialmente comprovadas de delatores, basta um condenado por fraude acusar o ex-juiz da força-tarefa anticorrupção de condutas reprováveis e estender suas acusações “até os dias atuais” que elas ganham acolhimento no STF, politizado como no sonho confessado por Lula.

Manobras

A manobra de Alexandre de Moraes para manter o caso dos réus do 8/1 no Supremo, como mostramos na virada do ano, inclui mencionar deputados federais investigados e ignorar pedidos feitos pela PGR para arquivar tais apurações, que, portanto, só se estendem para legitimar, por associação, o foro privilegiado de centenas de pessoas que não o têm.

A manobra de Toffoli para manter o caso Moro no STF apenas reforça o vale-tudo de ministros do Supremo para controlar processos de grande interesse político, como vem acontecendo, com mais descaramento, desde a abertura de ofício feita por Toffoli do inquérito das fake news, usado até para suspender apuração da Receita Federal sobre o escritório de sua esposa, Roberta Rangel, que advoga para a J&F.

O próprio ministro suspendeu a multa de 10,3 bilhões de reais dos clientes da mulher, Joesley e Wesley Batista, alegando que “há, no mínimo, dúvida razoável sobre a voluntariedade dos irmãos” ao firmar a leniência, quando, na verdade, Joesley, a fim de lavar sua imagem e evitar prejuízos derivados do envolvimento em suborno, antecipou-se em 2017, decidiu virar colaborador, gravou conversa com o então presidente Michel Temer e assinou delação junto com Wesley.

No julgamento do mensalão do PT, discutiu-se a aplicação da teoria do domínio do fato, usada para enquadrar também como autor das infrações penais quem tinha autoridade sobre os subordinados que a praticaram diretamente. Para aliviar políticos e empresários envolvidos no petrolão e em outros esquemas de suborno, o STF abandonou não só essa teoria, mas também outras ferramentas de combate à criminalidade comum e de colarinho branco, como a prisão em segunda instância, além de ter criado mecanismos em prol da impunidade, como a transferência integral, da Justiça Federal para a Eleitoral, dos casos de corrupção ligados à prática de caixa dois.

Este mesmo Supremo, alinhado a Lula, agora aplica contra a Lava Jato a teoria do domínio da narrativa, usada como um conjunto de iniciativas de conteúdo rasteiro que, pela força do volume, possa macular e eventualmente enquadrar como autores de infrações penais os agentes envolvidos em condenações e acordos de delação de peixes grandes da política e do mercado corporativo, bem como de outros bagrinhos dispostos a fornecer relatos neste sentido.

Tudo isso, claro, com a cumplicidade das emissoras chapa-branca de TV e rádio, patrocinadas pelo governo federal e por empresários alvos da operação.

De canetada em canetada, abala-se a democracia para reescrever a história.

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