Tigrão com Zelensky, tchutchuca com Putin
Mais do que diplomacia ou pragmatismo, os movimentos de Trump indicam afinidade e adesão
Um ditador foi recebido como presidente em solo americano por Donald Trump. Tão frio quanto o Alasca, pisando o tapete vermelho que lhe foi efusivamente estendido, Vladimir Putin se sentiu em casa. No país de Trump, ele estava em casa mesmo.
Se o objetivo alardeado do encontro era o cessar-fogo e o fim da guerra de agressão à Ucrânia, o objetivo alcançado foi cessar o fogo da palha diplomática e o fim da própria Ucrânia. Ainda que não exatamente o fim – na prática, sua rendição.
Trump não poderia ter sido mais claro, no recado que deu ao povo ucraniano: “A Rússia é uma potência, eles não”. Traduzindo: quem mata mais, cede menos – e estamos do lado dos mais fortes.
Putin, o Vladimir de quem Trump gosta, exigiu de Volodymyr territórios da região de Donbass, palco de batalhas no século 20 e linha estratégica para defesa contra as forças invasoras.
Para os EUA, tudo bem. Na geopolítica do pós-republicano, a ordem liberal arranjada no pós-guerra foi – e deveria mesmo ter ido – para as cucuias ou para as estepes russas. A aproximação entre os idiossincráticos líderes não é pragmática, mas programática.
O fato é que Putin e Trump não são representantes de ideologias opostas ou distintas, incidentalmente unidos por um conflito. Os passos da macabra dança que ambos têm dado, muito bem coreografados por gente como Alexander Dugin e Steve Banon, sugerem mais afinidade que oportunismo.
Surpresa? Nenhuma surpresa. Em retrospectiva, o primeiro mandato de Trump foi o episódio-piloto da american horror story a que, mesmerizados, estamos assistindo nos últimos meses.
É possível – em se tratando dos protagonistas, nunca provável – que, nos próximos dias ou horas, um acordo de paz seja enfiado goela abaixo na dignidade da Ucrânia, que perdeu milhares de soldados e civis em uma carnificina expansionista que não começou mas terá de terminar.
Zelensky está prestes a baixar a guarda e aceitar as condições impostas pelo agressor por meio de seu preposto “democrático”. Trump comemorará a pirrônica vitória que deveria envergonhar os americanos e manchará os princípios que, em tese, a se acreditar nos textos e não nos homens, inspiraram a América.
Bons tempos em que havia quem acreditasse em princípios e quem fosse capaz de se envergonhar.
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