Receita monitora até Pix do povo, mas Moraes já blindou esposas de ministros
Novos critérios de monitoramento só valem contra o cidadão comum?
O que vale para qualquer cidadão comum vale também para as autoridades mais poderosas da República brasileira, e vice-versa?
Se a Receita Federal do Brasil, por exemplo, estabelece novos critérios de fiscalização, a fim de detectar eventuais casos de sonegação fiscal e fraude tributária, todos podem ser atingidos de igual maneira?
Com a entrada em vigor, em 1º de janeiro de 2025, dos novos critérios de monitoramento de transações financeiras de pessoas físicas e jurídicas, que haviam sido apresentados em setembro na Instrução Normativa RFB nº 2.219/24, convém lembrar o que aconteceu em 2019 na esteira dos então novos critérios de monitoramento de agentes públicos, que haviam sido apresentados nas 8 páginas da Nota Copes 48/2018 como “resultado de trabalho desenvolvido pela Equipe Especial de Programação de Combate a Fraudes Tributárias – EPP Fraude, instituída pela Portaria Copes n° 7, de 10 de março de 2017”.
Traduzindo: quando as esposas dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, do STF, entraram na mira da Receita Federal em uma lista de 134 nomes, Alexandre de Moraes (foto) usou o inquérito multiuso das “fake news” para suspender a apuração do órgão e ainda dois auditores fiscais. O colega relator acusou genericamente, como de costume, “indícios de desvio de finalidade”, falta de “critérios objetivos de seleção” e pretensão de investigar diversos agentes públicos “de forma oblíqua e ilegal” — tudo devidamente refutado, em seguida, em nota do Sindifisco Nacional e em carta aberta de 195 auditores da alta administração da Receita, com base nos documentos originais.
Refutação
“Para entrar na polêmica lista de 134 nomes, por exemplo, o contribuinte tinha que atender cumulativamente os seguintes critérios:
- ser agente público;
- possuir patrimônio familiar superior a 5 milhões de reais;
- ter declarado possuir em espécie mais de 100 mil reais;
- ter recebido em suas contas (ou de seu cônjuge) mais de 2,5 milhões de reais de lucros e/ou dividendos por participação societária em empresas;
- e ter apresentado em sua declaração de rendimentos inconsistências graves com os dados declarados por tais empresas (omissão de valores, movimentação financeira incompatível, etc.).
Convenhamos, não são critérios triviais para um agente público”, resumiu o Sindifisco.
Outros trechos da nota merecem ser lembrados:
“Não interessa à sociedade uma Receita Federal que, enquanto demonstra rigor com as declarações de imposto de renda de pequenos contribuintes, passa ao largo dos radares das grandes movimentações financeiras.
Uma das iniciativas nessa direção foi justamente a criação de uma equipe especializada de seleção, que levantou diversos indícios de irregularidades tributárias em torno de agentes públicos, inclusive algumas Pessoas Politicamente Expostas.
Ao contrário do que insinuou Gilmar Mendes – sem apresentar, aliás, a mais ínfima prova – não se trata de um ‘bando’ ou ‘milícia institucional’ destinada a perseguir e ‘achacar’ alvos selecionados por suas predileções ideológicas ou por seu posicionamento crítico à Lava Jato.
Trata-se de um grupo técnico que seleciona contribuintes por parâmetros estritamente objetivos.
(…)
É incompreensível que Gilmar Mendes não se veja como um contribuinte comum, como qualquer outro brasileiro, suscetível de ter seu patrimônio e rendas verificados pela Receita Federal.
Afinal, qual o contribuinte que, ao receber uma intimação, convoca diretamente o secretário da Receita Federal para lhe dar explicações?
Segundo o próprio ministro, quando o IDP (empresa da qual é sócio) foi intimado, chamou Jorge Rachid ao seu gabinete. Este lhe teria dito que o Auditor-Fiscal responsável pelo procedimento era ligado à operação Calicute, e que isso já o deixara ‘advertido’.
Seria isso normal? O contribuinte ministro do STF provoca a presença do secretário da Receita Federal em razão de uma intimação recebida por sua empresa; o secretário da Receita comparece e lhe dá explicações, e ainda lhe passa uma informação sensível, advertindo-o que se tratava de um Auditor-Fiscal integrante de uma força-tarefa que investigava pessoas que, como mais tarde revelou a imprensa, possuíam vínculos com o ministro (como Jacob Barata, de cuja filha Gilmar foi padrinho de casamento).
Tratando-se de Gilmar Mendes, nada segue o rito convencional. Valendo-se da condição de ministro da mais alta corte do país, avisou, sem papas na língua, que pretende extinguir a área da Receita Federal que ousou lhe [sic] investigar. E para tanto, iniciou uma série de reações, com ofícios a diversos órgãos, buscando a inversão da lógica, para que o órgão de fiscalização passe a ser fiscalizado.”
“A lei tributária não excepcionaliza agentes públicos“
A carta aberta dos 195 auditores dizia ainda:
“Não existe qualquer possibilidade de um Auditor-Fiscal indicar um contribuinte para ser fiscalizado, em seleção interna, sem passar por um rigoroso processo de programação (…).
A lei tributária não excepcionaliza agentes públicos, sejam eles ministros, parlamentares ou auditores-fiscais de cumprirem as normas tributárias e estarem sujeitos à análise e eventuais auditorias, que podem ou não resultar em exigência de tributos.”
Poder de blindagem
De fato, o que “excepcionaliza” determinados agentes públicos não é a lei, mas a conveniência de quem tem poder de blindagem. O inquérito das fake news, como já mostrei, foi criado de ofício por Toffoli justamente para isso.
Mais de cinco anos depois de ser impedida de investigar esposas de ministros do STF, portanto, a Receita demonstra novamente seu rigor com os “pequenos contribuintes”.
Outras modalidades de pagamento — como cartão de crédito e depósitos — já eram monitoradas quando os valores excediam 2 mil reais, no caso de pessoa física; e 6 mil reais, no de pessoa jurídica, segundo o órgão. Agora o Pix foi incluído entre as modalidades sob monitoramento, e os valores foram alterados, acendendo o alerta de muitos brasileiros, dada a sanha arrecadatória e controladora do governo Lula, que ainda impõe sigilo sobre os próprios gastos.
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Quando “o montante global movimentado ou o saldo, em cada mês, por tipo de operação financeira, for superior” a 5 mil reais, no caso de pessoas físicas, e 15 mil reais, no de pessoas jurídicas, instituições financeiras, bancos digitais e aplicativos de pagamento ficam obrigados a prestar à Receita “as informações relativas a todos os saldos anuais e aos demais montantes globais movimentados mensalmente, ainda que para estes somatório mensal seja inferior aos referidos limites”.
Os alvos
Segundo a Receita, a medida “melhora a identificação de movimentações que podem estar ligadas a crimes financeiros”. A alegação é a mesma usada em 2018, na Nota Copes 48, para a medida que buscava “aprimorar metodologia de seleção para identificação de indícios de crimes contra a ordem tributária, corrupção e lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores envolvendo agentes públicos”.
Moraes vai suspender, dessa vez, a apuração de eventuais crimes financeiros das pessoas físicas e jurídicas que tiverem suas transações monitoradas com base nos novos critérios?
Para se livrar da devassa caso sua família caia na malha fina, o cidadão comum poderá, como Gilmar, hostilizar a Receita e seus auditores fiscais, além de convocar seu secretário?
Poderá, como Toffoli, abrir inquérito de ofício e entregar sem sorteio a um relator camarada?
Todos sabem as respostas. O tempo mostra apenas, pela enésima vez, que o problema nunca foram os métodos, mas os alvos.
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