Pascal, plano Marshall, projeto Manhattan e o clima no Brasil
Catástrofe no RS precisa fazer com que os governos deixem apenas de correr atrás dos prejuízos causados pelas mudanças climáticas
No século 17, o pensador francês Blaise Pascal propôs o seguinte raciocínio aos descrentes: “Pesemos o ganho e a perda na aposta que Deus existe. Avaliemos os dois casos. Se você ganhar, ganha tudo; se perder, não perde nada. Aposte, portanto, que ele existe, sem hesitar.”
Diante das inundações sem precedentes no Rio Grande do Sul, que mataram 83 pessoas até esta segunda-feira, 6, e causaram prejuízos que ainda não se pode estimar, a necessidade de uma variação da “aposta de Pascal” para as questões do clima deveria estar clara.
Ainda que as previsões sobre um apocalipse climático estejam erradas, não se perde nada em acreditar nelas, porque energia limpa e preservação ambiental não são incompatíveis com desenvolvimento econômico. Se as previsões estiverem corretas, mesmo que aproximadamente, pode-se perder tudo.
Plano Marshall
Agir como se a pior hipótese for a correta significa criar mecanismos para prevenir as consequências dos desastres que já estão acontecendo e implementar mudanças para evitar que as catástrofes se tornem ainda mais graves.
Depois do que se viu no Rio Grande do Sul, a conversa está muito tomada pela necessidade de reconstruir o estado. O governado Eduardo Leite pediu um “plano Marshal”, em referência aos investimentos que permitiram à Europa se reerguer depois da Segunda Guerra.
Há boa vontade em Brasília, tanto no governo Lula quanto no Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) falou em se adotar um “orçamento de guerra”. O da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a resposta deve ser semelhante à que se viu na pandemia.
Em abril, o Planalto já havia encaminhado aos parlamentares uma medida provisória prevendo a criação de um crédito extraordinário de R$ 369 milhões no Orçamento, para lidar com os efeitos do El Niño. É bem provável que esse valor seja aumentado.
Prevenção de riscos
Tudo isso faz sentido. Mas caiu a ficha de que medidas visando ao futuro também precisam ser tomadas?
Lula prometeu a adoção de um plano de prevenção de acidentes climáticos. “É preciso que a gente pare de correr atrás da desgraça”, disse.
Talvez ele esteja pensando no Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil que, de fato, está sendo preparado desde o começo de 2023. No final de abril, a Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública sobre o tema.
Entre os “produtos” previstos estão o diagnóstico e a simulação de cenários de risco, bem como a criação de protocolos para prevenção, mitigação e resposta a emergências.
Como se gasta o dinheiro
No entanto, uma reportagem da Folha de S. Paulo no começo deste ano mostrou que os gastos do governo federal em 2023 ainda estiveram quase que inteiramente voltados à recuperação de danos. Segundo o jornal, enquanto 1,1 bilhão de reais foram gastos para reparar desastres, apenas 36 milhões de reais serviram para evitá-los. A chamada “gestão de riscos” tem 1,9 bilhões de reais reservados no orçamento federal em 2024.
No Rio Grande do Sul, o orçamento para gestão de riscos foi tema de polêmica neste ano. O governo de Eduardo Leite destinou 117 milhões de reais a essa rubrica, sendo a maior parte destinada ao reaparelhamento do Corpo de Bombeiros (cerca de 40 milhões). Uma fatia de aproximadamente 10 milhões de reais deve servir para a implantação de projetos e sistemas de gestão de riscos.
No Congresso, tramita um projeto do senador Alessandro Vieira (MDB-ES) que pode liberar 800 milhões de reais por ano para o socorro a vítimas de catástrofes. O dinheiro viria do Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (FNMC), que neste ano conta com 13,6 bilhões de reais.
Projeto Manhattan
O FNMC é a principal ferramenta voltada a promover a transição energética e a preservação do meio ambiente no Brasil. Como observa o instituto Talanoa, que se dedica à questão do clima, o volume de dinheiro é significativo, levando em conta o histórico de gastos nessa área.
Numa análise desse “orçamento climático” para 2024, porém, o instituto concluiu que “por ora, não existe uma conta oficial do quanto o país necessita para reduzir as emissões e alcançar suas metas climáticas, tampouco cálculos para cada setor”. Dessa maneaira, torna-se difícil saber se a dinheirama disponível é ou não adequada.
Se um “plano Marshall” é necessário para os gaúchos, talvez seja hora de adotar um Projeto Manhattan para o clima no Brasil. Se você assistiu a Oppenheimer, o filme vencedor do Oscar, sabe do que estou falando.
O Projeto Manhattan reuniu alguns dos físicos mais brilhantes do século XX e transformou suas equações em ciência aplicada. Em cinco anos de trabalho as duas primeiras bombas atômicas foram construídas. Lançadas sobre o Japão, encerraram a Segunda Guerra.
O senso de urgência foi fundamental na empreitada. Os nazistas estavam longe de dominar a tecnologia atômica. Mas o governo americano e os cientistas recrutados não sabiam disso. Sentiam-se engajados numa corrida existencial.
Suponho que alguns feitos extraordinários pudessem ser alcançados se o desafio do aquecimento global fosse encarado com o mesmo espírito. Com uma diferença crucial: não é preciso usar bombas no combate ao General Clima.
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