Os reféns voluntários da polarização
Políticos cedem facilmente demais ao poder de atração dos dois populistas que dominam o cenário brasileiro
Jair Bolsonaro encheu a Avenida Paulista neste domingo. A Polícia Militar fala em 600 mil pessoas, muita gente. Não se pode negar ao ex-presidente esse feito político.
Mas, mesmo que todos os bolsonaristas do país tivessem se reunido, lotando a rua de ponta a ponta e do chão até o topo dos prédios, ainda seriam 25% dos eleitores. Ou coisa que o valha.
O mesmo se aplica ao petismo: algo entre 25% e 30% do eleitorado.
Juntos, os dois grupos não representam mais do que a metade daqueles que votam e que em 2026 deverão escolher um novo chefe do Executivo.
O Partido da Vida
Os brasileiros deveriam ter em mente essas porcentagens.
Em particular, aqueles filiados ao “Partido da Vida”: os que não cultuam um líder como se ele fosse maior do que tudo; que não rezam por uma cartilha ideológica; que esperam que a política resolva problemas reais em vez de ser apenas um palco para as vaidades e a cobiça de quem luta por espaço em Brasília.
Infelizmente, a virtude do “Partido da Vida” é também o seu ponto fraco: ele não faz da política a sua prioridade máxima.
Seus membros não se engajam em campanhas de longo prazo em favor de um Lula ou de um Bolsonaro. Por isso, acabam tendo de escolher, às vésperas das eleições, entre alternativas como Lula e Bolsonaro. E escolhem por exclusão: quem lhes revira menos o estômago.
Esse é um problema vital para qualquer grupo político que pretenda ser uma alternativa aos dois populismos que se enraizaram no Brasil.
Capitulação precoce
A solução que tem sido dada a ele é a pior possível: capitulação precoce aos dois polos extremos, muito antes do que seria necessário pelo timing do próprio jogo político.
Vimos isso acontecer ontem na Paulista. Em vez de aproveitar oportunidades como a da manifestação gigante para exaltar, mesmo que sutilmente, as características que faltam ao bolsonarismo hard core, como moderação, pragmatismo e racionalidade econômica, políticos que exibem essas características simplesmente interpretaram a pior versão de si mesmos.
Estou falando de gente como os governadores Tarcísio de Freitas e Romeu Zema (esse último, ao lado de outros políticos do Partido Novo).
Felipe Moura Brasil escreveu sobre a maneira como o Novo parasita o bolsonarismo, precisando, para isso, fingir que Jair Bolsonaro não sabotou o combate à corrupção nem se refestelou no fisiologismo quando estava no poder.
Tarcísio de Freitas
Tarcísio de Freitas fez o discurso mais lastimável que poderia fazer, dizendo que Bolsonaro “deixou de ser um CPF para representar um movimento”. A frase é parente daquela dita por Lula pouco antes de ser levado à prisão em 2018: “Eu não sou um ser humano, sou uma ideia.” Há um outro antecedente na América do Sul: o venezuelano Hugo Chávez também disse ter se transformado em uma “ideia” pouco antes de morrer.
Tudo isso é culto à personalidade, populismo da pior estirpe. Tarcísio não deveria ter descido tão baixo, mesmo diante da necessidade de reverenciar o personagem que, de fato, o inventou politicamente.
O próprio discurso de Bolsonaro ofereceu um mote que Freitas poderia ter aproveitado. A palavra “pacificação”, que o ex-presidente usou de maneira insincera e inteiramente guiado pelo medo da cadeia, teria soado de outra maneira e com outra potência saindo da boca do governador paulista.
Valorizar o passe
Nem o lulismo, nem o bolsonarismo, têm condições de ganhar eleições sem cativar uma fatia expressiva dos brasileiros que não se alinham automaticamente aos dois movimentos. Mas os políticos que poderiam representar esse eleitorado entregam seu apoio barato demais aos populistas. Por falta de imaginação, por covardia ou preguiça, nem mesmo se esforçam para incorporar suas ideias ao discurso deles: entregam-se como reféns voluntários.
Entendo o imperativo da sobrevivência política. Nas atuais circunstâncias, a rejeição pura e simples às forças organizadas à esquerda e à direita pode equivaler ao suicídio para quem pretende disputar votos nas urnas. Mas uma política melhor jamais vai ganhar corpo se renunciar aos seus próprios valores e a uma plataforma própria antes mesmo de o jogo começar.
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