Os esqueletos que realmente assombram Haddad
O ditado popular defende que a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou evitar, na coletiva realizada na manhã desta sexta-feira, 24, apontar os...
O ditado popular defende que a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou evitar, na coletiva realizada na manhã desta sexta-feira, 24, apontar os responsáveis pela ideia original de desonerar a folha de pagamentos, cuja prorrogação foi vetada por Lula.
O ministro, adepto da cartilha petista de culpar os adversários por qualquer mazela, até conseguiu trazer o ex-presidente Jair Bolsonaro para a entrevista. Segundo Haddad, as contas públicas estão com um déficit (despesas acima das receitas) de 130 bilhões de reais em 2023. “E, dentro deste número, estão os esqueletos da gestão passada“, afirmou, referindo-se à compensação com que a União teve de arcar em função da desoneração dos combustíveis promovida pelo ex-mandatário.
É verdade que boa parte do peso desta conta veio da gestão anterior, mas é importante lembrar que essa mesma desoneração foi mantida integralmente nos primeiros dois meses do ano e parcialmente entre março e junho pelo próprio governo Lula. No entanto, esse é assunto para outro comentário.
Afinal, o esqueleto que realmente assombra Haddad o acompanhou em reunião recente com Lula. Guido Mantega, ministro da Fazenda dos governos Dilma e Lula, esteve presente nas conversas para convencer o presidente de que vale a pena continuar defendendo o déficit zero para o resultado primário do ano que vem.
É de Mantega a ideia original de desonerar setores da economia para defender a geração de empregos. Em 2011, quando foi implementada, a desoneração da folha de pagamentos contemplava apenas quatro setores — tecnologia da informação, vestuário, calçados e call centers.
Pouco tempo depois, Dilma e o ex-ministro celebravam a ampliação para 56 setores e lutavam para que a desoneração fosse permanente. A ideia não evoluiu, mas ninguém conseguiu extingui-la. O governo Michel Temer tentou reduzir os setores beneficiados para apenas três, e Bolsonaro chegou a vetar a medida, mas o Congresso Nacional ampliou setores e derrubou vetos.
Há estudos que apontam ganhos na geração de empregos com a medida e há estudos que concluem o oposto. Uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) publicada em 2018 e assinada por Felipe Garcia, Adolfo Sachsida e Alexandre Ywata Carvalho afirma que “não há evidências robustas de efeitos reais positivos da desoneração” e sugere que “futuras pesquisas sobre o tema devem se concentrar em tentar responder por que o mercado de trabalho, em termos de geração de postos de trabalho, não respondeu positivamente” à política.
Uma nota técnica de 2015, do mesmo IPEA, de autoria de Clóvis Scherer, aponta para uma elevação na demanda por trabalho nas empresas desoneradas. “A política parece estar associada ao aumento de 14,3% a 15,3% no emprego formal, e de 7,6% a 8,2% nas horas de trabalho, em média“, defende o economista do Dieese.
Problemas metodológicos e possíveis vieses políticos à parte, uma verdade não pode e nem deve ser omitida: o principal esqueleto a assombrar Haddad nessa questão tem o rosto bem conhecido nas fileiras petistas. Guido Mantega pariu, nutriu e fez crescer o programa que agora é visto pelo ministro da Fazenda como uma medida que gera apenas “distorções no sistema econômico de uma maneira geral“.
Agora, Haddad deve convencer os parlamentares e os setores econômicos envolvidos de que tem uma solução melhor e de que, desta vez, tudo vai ser diferente.
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