O vitimismo hostil
As pessoas que se julgam no direito de atacar as outras porque estão chateadas são perigosas. Cuidado com elas, da diplomacia da vida íntima à das relações...
As pessoas que se julgam no direito de atacar as outras porque estão chateadas são perigosas. Cuidado com elas, da diplomacia da vida íntima à das relações internacionais.
Gente com senso moral avalia, em primeiro lugar, se está chateada em razão de sua própria incapacidade de aceitar que o mundo não se adapte a ela; que os outros não se curvem à sua ambição de poder, à sua obsessão por controle, a seus traumas passados, a suas infantilidades. Diante da dificuldade de fazer essa avaliação sozinha ou de mudar o próprio comportamento em razão dela, procura diálogo e ajuda terapêutica, em vez de transformar a própria chateação em hostilidade ou de insistir no erro, no desrespeito, na deslealdade, na paranoia, na psicose. Quando cruza a linha, arrepende-se, pede desculpas e vai se tratar, seja para evitar a perda da oportunidade presente, seja para evitar perdas futuras, mas sobretudo porque percebe como errado o ato de descontar em alguém suas fúrias e frustrações.
Já as pessoas que se julgam no direito de atacar as outras porque estão chateadas, ao contrário, preferem transferir agressivamente a elas as próprias responsabilidades, em uma manobra psíquica não apenas amparada, mas estimulada por discursos ideológicos que mascaram os problemas de estrutura subjetiva, contaminando as mentes e ações até mesmo das pessoas indiferentes a questões políticas.
Quem não é alienado nem fanatizado sabe que a radicalização dos movimentos feminista, racial e LGBTQIA+, desde a introdução de elementos marxistas até sua instrumentalização partidária, uniu essas frentes, originalmente distintas e legítimas, na culpabilização genérica do homem branco, europeu, “heteronormativo”, “patriarcal” e colonizador, por todos os males sentidos por mulheres, pretos e indivíduos LGBTQIA+, a ponto de líderes desses movimentos encontrarem em tais brancos um inimigo comum ao de regimes teocráticos e grupos terroristas que jamais respeitaram os direitos dessas mesmas “minorias” que eles juram defender.
Por extensão, o embate entre “opressores” e “oprimidos” virou a explicação simples, plausível e errada para todo e qualquer fenômeno, como ilustra a acusação de “racismo ambiental”, que falseia como questão de raça os problemas decorrentes, em períodos de tempestade, da precariedade da moradia de pretos, pardos e brancos pobres em áreas de risco.
A busca pela condição especial de vítima, ou de seu representante contra os culpados convenientes de sempre, é comum no universo político, onde os protagonistas tentam se eximir de responsabilidade por problemas concretos que deixaram de combater (como a pobreza), transferindo-a a adversários reais ou a um “eles” indeterminado.
Mas o uso desses expedientes também se alastra na esfera privada, onde a ideologia encontra em neuroses e psicoses individuais um terreno mental propício para se transformar não necessariamente em votos, mas em palavras e atos hostis ao outro, encarado como “opressor”.
Cuidado com todas as pessoas que se julgam no direito de atacar porque estão chateadas. Nem o mundo nem você têm de se adaptar à chatice delas.
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