O STF no divã?
Entre o começo e o fim do julgamento sobre "descriminalização" da maconha, ministros abandonaram suas maiores ambições
Já faz tempo que a política brasileira parece funcionar à base de drogas pesadas. Não de maconha, que supostamente relaxa o fulano, mas de alguma substância que deixa as pessoas com a mandíbula travada, os olhos esbugalhados e o comportamento agressivo. Metanfetamina, por exemplo.
Digo isso por causa das reações exaltadas diante do julgamento do STF que “descriminalizou” a maconha para uso pessoal.
O que foi decidido nesta terça-feira, 25, é absolutamente inócuo, não muda em nada o que estava na legislação. O artigo 28 da Lei de Drogas já previa sanções leves para usuários: advertência, medidas educativas e serviços à comunidade.
Ah, mas o texto falava em “penas”, o que aponta para um crime, e agora o STF está dizendo que só se pode falar em “sanções administrativas”. Tenha dó, isso é discussão bizantina. Na prática, para o bem ou para o mal, vai tudo continuar como era.
Congresso livre para agir
O que ficou estabelecido até agora tampouco sugere que o Congresso não possa alterar a Constituição no sentido que vem sendo discutido, ou seja, para criminalizar explícita e definitivamente a posse e o porte de drogas.
O debate no STF deu-se em torno da interpretação de uma lei segundo a Constituição que está aí. Se o Congresso mudar a Constituição, a conversa será diferente: dirá respeito ao seu poder para fazer essa alteração e à coerência da mudança com o restante do texto.
Não vejo como anular um futuro ato dos parlamentares criminalizando a posse de drogas. Eles não estarão atropelando nenhuma cláusula pétrea da Carta.
Quantidade de droga
Ainda existe uma chance de o STF interferir de maneira mais incisiva no status quo: definindo a quantidade de droga que diferencia o porte para uso pessoal do tráfico. Isso pode acontecer na tarde desta quarta-feira, 26.
Quando o julgamento começou, era isso que os ministros pareciam determinados a fazer. Dessa forma, reduziriam o poder da polícia, do Ministério Público e dos juízes para fazer essa distinção com base nas circunstâncias de cada caso.
Agora, não sei não. Já não parece haver o mesmo ímpeto para criar esse parâmetro. Ao menos cinco ministros parecem inclinados a deixar essa tarefa para um órgão técnico como a Anvisa: Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin, Luiz Fux (foto) e Dias Toffoli.
No máximo, o STF criará um critério provisório, pedindo ao Congresso que regulamente o tópico em 180 dias – que também poderão ser usados para aprovar a PEC da criminalização. A ideia de que onze togados poderiam estabelecer ou revolucionar a política sobre drogas no Brasil ficou para trás.
STF no divã?
Na sessão de ontem, o ministro Luiz Fux fez um pleito em nome da autocontenção do STF. Sugeriu que a Corte tem menos legitimidade do que imagina para tomar certas decisões e que precisa repensar o seu papel institucional. “Quem somos nós?”, perguntou em tom dramático (e involuntariamente cômico).
Fux não é o único a ter essa percepção dentro da Corte. Até ministros como Alexandre de Moraes parecem cientes da necessidade de retroceder um pouco, se não por convicção, ao menos por razões táticas.
O julgamento sobre o uso de maconha no STF está sendo confuso, atravancado. É sinal de um desconforto entre os ministros. Não ficarei surpreso se daqui a algum tempo o episódio for visto como um passo atrás do tribunal – talvez o primeiro, na contramão do ativismo que o caracterizou na última década. Tomara.
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