O que Zuckerberg realmente disse
O Antagonista

O que Zuckerberg realmente disse

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Rodolfo Borges
7 minutos de leitura 14.01.2025 13:17 comentários
Análise

O que Zuckerberg realmente disse

Em meio à histeria sobre as redes sociais, é preciso ouvir o que o CEO da Meta falou e, sem se iludir com seus interesses comerciais, entender o que de fato está em jogo

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Rodolfo Borges
7 minutos de leitura 14.01.2025 13:17 comentários 1
O que Zuckerberg realmente disse
Foto: Reprodução/ Joe rogan Experience

Em meio ao histérico debate que se instalou após Mark Zuckerberg (foto) dizer que adotaria notas de comunidade no lugar de agências de checagem para moderar o conteúdo das redes sociais da Meta, perdeu-se o diagnóstico do próprio criador do Facebook acerca da discussão sobre fake news.

A entrevista que Zuckerberg deu ao podcast de Joe Rogan, disponibilizada na sexta-feira, 10, acbou chamando mais a atenção por causa de comentários despretensiosos sobre masculinidade, tomados maliciosamente como política empresarial pelos críticos do CEO da Meta.

Mas é muito mais importante destacar o que o próprio Zuckerberg disse sobre as dúvidas que surgiram a partir de 2016 sobre o debate político no mundo inteiro, e que colocaram o Facebook, entre outras redes sociais, no centro de uma controvérsia mundial sobre verdades e mentiras.

Leia também : Meta reafirma compromisso com direitos humanos em resposta à AGU

2016

“O motivo de existência das redes sociais é dar às pessoas a possibilidade de compartilharem o que quiserem”, constatou Zuckerberg na entrevista a Rogan, como O Antagonista já fez várias vezes.

“Nós não precisamos nos preocupar muito com a política de conteúdo nos primeiros dez anos”, lembrou o americano, acrescentando que questões práticas, como bullying e direitos autorais, foram sendo tratadas pontualmente ao longo desse período, iniciado em 2004.

“Mas foi nos últimos dez anos que as pessoas passaram a cobrar censura por motivos ideológicos. E foram dois eventos principais que deflagraram isso”, disse o CEO da Meta, seguindo:

“Em 2016, houve a eleição de Trump, que coincidiu também com o Brexit e a fragmentação da União Europeia. E, em 2020, houve a covid. Foram nesses dois eventos que, pela primeira vez, sofremos essa massiva pressão institucional para censurar conteúdo em terreno ideológico”.

Fake news

Zuckerberg admitiu que estava mal preparado para lidar com o assunto à época e que cedeu muito a personalidades da mídia que diziam que não havia motivo para eleger Trump senão a desinformação. Esse é o ponto central do debate sobre fake news instalado na última década.

“As pessoas não podem realmente acreditar nisso, tem de haver uma desinformação massiva por aí”, comentou o criador do Facebook, reproduzindo o que se dizia à época e mencionando a teoria sobre a influência russa na eleição do republicano em 2016, que acabou “se metamorfoseando” em outras justificativas para a vitória de Trump com o passar no tempo.

“Eu interpretei que estavam todos levando isso de boa fé. ‘Há preocupações sobre desinformação, nós deveríamos lidar com elas, como fizemos com outras questões no passado’. Ninguém quer desinformação. Mas me preocupei desde o início em virar quem decide o que é verdade no mundo”, disse Zuckerberg, soando, mais do que em qualquer momento da entrevista, como alguém que tenta limpar a própria barra após assumir o papel de censor.

Trump voltou

Oito anos depois da primeira eleição, que, pela lógica do establishment americano, não deveria ter ocorrido, Trump volta à presidência, mesmo com o cerceamento de informações em todas as empresas da Meta. Foi a desinformação que o levou à Casa Branca de novo?

O problema de tratar o assunto nesses termos é que a mentira não surgiu na política em 2016. A escala pode ter mudando, mas o fato é que todos os políticos estão contando mentiras em algum nível, faz parte do jogo.

A inverdade vai desde a mais deslavada, como a de Nicolás Maduro, ao dizer que o regime venezuelano é democrático, até a fake news mais sutil, como a do governo Lula, ao celebrar os números da economia brasileira sem mencionar que são inflados por gastos irresponsáveis do governo — e que conduzem o país ao descontrole.

Dilma Rousseff se reelegeu em 2014 dizendo que estava tudo bem com a economia brasileira, e acabou sofrendo um impeachment dois anos depois, porque a realidade se impôs.

Checagem

É a partir dessa constatação, de que todo mundo mente, que o debate deve ser travado, e sem desconsiderar, naturalmente, que há interesses comerciais e políticos da Meta nessa história — a postura de desconfiança é a mais segura, e, no caso da imprensa, isso é obrigação, desde que a vigilância seja razoável, sóbria e responsável.

Segundo Zuckerberg, o trabalho das agências de checagem na Facebook começou com assuntos evidentemente falsos, como a alegação de que a “terra é plana”, mas esse monitoramento foi tomando o rumo da política, por esse ser o ambiente de atuação dos checadores de conteúdo.

“Mas o ponto não era julgar a opinião das pessoas”, constatou, reconhecendo que isso nunca foi aceito pelo público em geral, porque os checadores analisavam apenas alguns conteúdos, e não todos, até porque isso seria impossível em uma plataforma com mais de 3 bilhões de usuários.

Covid

Sobre a pandemia de covid, Zuckerberg disse que se tratava de uma emergência e que ele tinha simpatia por um argumento que já foi tema inclusive da Suprema Corte americana.

“Era complicado. No começo, era uma crise de saúde pública. Mesmo os mais ardentes defensores da Primeira Emenda [que garante liberdade de expressão nos EUA]… A Suprema Corte tem esse precedente: você não pode gritar ‘fogo’ em um teatro lotado. Há momentos, quando há uma emergência, que sua habilidade para falar pode ser limitada para controlar a emergência. Eu era simpático a isso no início”, comentou, ponderando que, quando as ordens do governo começaram a variar de forma contraditória, ele começou a questionar o procedimento.

O CEO da Meta citou especificamente o fato de o governo americano, então comandado por Joe Biden, mandar derrubar qualquer conteúdo que dissesse que vacinas têm efeitos colaterais, e afirmou que a Meta se recusou a fazer isso.

Todos checam

É por conta de toda essa complexidade que a melhor maneira de combater mentiras é permitir que todos possam confrontá-las abertamente, sem que ninguém tenha a prerrogativa de bloquear adversários políticos.

Zuckerberg argumentou que o número de informações checadas tende a aumentar com a adoção de notas de comunidade, o modelo implantado por Elon Musk no X, porque a identificação de mentiras não vai depender mais apenas de um grupo limitado de checadores.

Leia também: “As notas de comunidade são bastante promissoras”, diz cientista Yang Gao

O CEO da Meta explicou também que os filtros automáticos para identificar desinformação serão afrouxados para evitar a censura de conteúdos que não mereceriam ser censurados.

Isso deve permitir a circulação de mais algumas mentiras, Zuckerberg admite, mas pelo menos não vai impedir e circulação de opiniões legítimas, algo que machucou as democracias ocidentais nos últimos anos, ao afetar a liberdade de expressão.

Mais uma oportunidade

O Brasil teve a oportunidade de travar esse mesmo debate quando Musk desafiou as ordens de Alexandre de Moraes para bloquear contas no X, em 2024. Assim como Zuckerberg, Musk tem suas razões comerciais, não há por que se iludir quanto a isso, mas é preciso entender o que está em jogo para além disso.

O bilionário acabou capitulando diante da intransigência do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e, a depender dos esforços do STF e do governo Lula, isso vai ocorrer de novo em relação ao Facebook.

É por isso que essa conversa sobre redes sociais tem de ser travada com base em fatos, ironicamente desprezados por muitos dos comentarias que falam em nome da verdade, e de forma serena, sem a gritaria que se instalou após a mudança de rumo da Meta.

Leia também: Os mentirosos querem controlar as mentiras

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Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (1)

Carlos Renato Cardoso Da Costa

14.01.2025 18:07

Hilário foi ver a cara de cu do sr.Meta quando o Rogan fez a pergunta óbvia: se você acabou de admitir aqui ter mentido antes, por quê vamos acreditar agora?


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