O lugar de fala como cala-boca
Se o discurso feminista é um monólogo de promotoria, uma catilinária feita de dedos em riste, não há diálogo possível
Na Folha de S. Paulo, a publicitária Joanna Moura comenta a entrevista “polêmica” do filósofo Francisco Bosco à Veja. Quer dizer, ela não comenta a entrevista, que não leu. Comenta “os trechos da entrevista, repostados no Instagram” por mulheres que ela admira, “acompanhados de legendas consternadas”.
Presumindo que ainda seja razoável comentar apenas o que se lê, e não o que outros dizem ter lido, conferi a entrevista. Também fiquei consternado. No caso, com a rigorosa falta de motivo para consternação que os trechos da entrevista poderiam provocar.
Francisco Bosco, que nem sob decreto papal seria aceito em qualquer confraria reacionária que conheço, fala sobre a “nova masculinidade” que se contrapõe à masculinidade tradicional. Constata o processo como quem comemora, não como quem lamenta.
Em seguida, especula que o novo arranjo afetivo e social dos homens desagrada “àqueles que a gente poderia chamar de conservador, reacionário, extrema direita e masculinista”, e que, “no caso dos homens significa abrir mão de um conjunto de poderes. E tem gente que gosta muito de poder”.
Adiante, na resposta mais direta sobre suas aproximações e distanciamentos de certo esquematismo, reconhece que as mulheres ficam chateadas quando ele defende um “ajuste no discurso feminista, que deveria enfatizar uma agenda positiva para os homens, em vez de ficar insistindo em uma estigmatização, uma criminalização e um rebaixamento sistemático dos homens. Há uma confusão sistemática entre a crítica ao machismo, que é pertinente e necessária, e a crítica ontológica aos homens”.
Ele conclui dizendo que “isso é um erro tremendo e produz muitas injustiças com jovens meninos, que crescem em meio a esse discurso e são culpabilizados antes mesmo que produzam atos pelos quais, e só pelos quais, poderiam ser culpabilizados. Há, claro, uma agenda negativa, que é importante sustentar, que é a agenda contra a violência sexual, o assédio sexual e moral, as microviolências. Mas é preciso entender que os homens estão passando por uma crise e que ajudá-los a atravessar essa crise não significa minimamente relativizar a força do discurso feminista.
Li, reli, não entendi. Entendi o Bosco, não a Joanna, ou as mulheres que ela admira, autoras de “legendas consternadas”. Não me parece que ele está cantando a elegia do machão ocidental. Mas vai saber. A consternação tem razões que a própria consternação desconhece.
O que ele defende, pelo menos em português, é que, se o discurso feminista é um monólogo de promotoria, uma catilinária feita de dedos em riste, não há diálogo possível. Homens – os mais velhos, os mais novos – nunca compreenderão o que dizem, querem, pretendem, reivindicam, exigem as mulheres.
Se não compreenderem, não mudarão. Se não mudarem, a sociedade vai continuar mais ou menos do jeito que está. Violência, exclusão, preconceito. A não ser, é claro, que estejamos pregando o extermínio da metade cromossomicamente errada da população mundial.
Joanna Moura termina seu metalinguístico comentário – um comentário sobre os comentários sobre o comentário do Francisco Bosco – de um jeito meio esquisito, como quem entrega o ouro ao bandido.
Em resposta às críticas que recebeu, o ensaísta toma como exemplo a atriz Alice Carvalho. Mas, na avaliação da Joanna, Bosco diminui “a opinião dessa mulher, tachando-a de emocional demais”, por ter feito um comentário “curto e direto”.
Qual foi o comentário “curto e direto”, lógico e rigoroso, informado e refletido, pedagógico e bem-intencionado dessa mulher?
“Falou bosta”, argumentou Alice Carvalho.
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Leia na íntegra a entrevista de Francisco Bosco.
Leia na íntegra a coluna de Joanna Braga.
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