O foro desprivilegiado do STF
STF formou maioria para ampliar o foro privilegiado, que seus ministros conseguiram transformar em desprivilegiado para alguns políticos. Mas ainda restam autoridades com razões para se sentirem mais seguras por lá
O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello gosta de dizer que “vivemos tempos estranhos”. Um dos sinais mais recentes é o embate em torno do foro por prerrogativa de função. De uns anos para cá, o que é chamado informalmente de foro privilegiado se transmutou em foro desprivilegiado, a depender de quem é julgado.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) diz que “longe de representar um privilégio pessoal, como muitos supõem, o foro especial por prerrogativa de função é destinado a assegurar a independência e o livre exercício de determinados cargos e funções”.
“Significa que o titular desses cargos se submete a investigação, processo e julgamento por órgão judicial previamente designado, que não é o mesmo para as pessoas em geral”, segue a definição do STJ.
O tribunal destaca ainda que o foro por prerrogativa de função faz parte no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição do Império, de 1824, segundo a qual competia ao então denominado Supremo Tribunal de Justiça o julgamento dos “seus ministros, os das relações, os empregados no corpo diplomático e os presidentes das províncias”.
Alargado
O STJ diz que “com o passar do tempo e a evolução das constituições, as hipóteses de foro especial foram sendo alargadas gradativamente até atingir a conformação atual prevista na Constituição Federal de 1988, que abarca o presidente da República, parlamentares, magistrados e muitos outros”.
O “muitos outros” passou a incluir recentemente, de forma torta, os réus pelo vandalismo do 8 de janeiro de 2023, que não foram eleitos para cargo nenhum.
O fato é que, hoje, o STF julga quem quer. E quer mais. O tribunal formou maioria nesta sexta-feira, 12, com voto do presidente Luís Roberto Barroso, para ampliar o foro privilegiado para o julgamento de crimes mesmo após o fim da ocupação do cargo público pelo réu — o julgamento foi interrompido na sequência por um pedido de vista de André Mendonça.
Quer dizer, o processo segue no STF mesmo em caso de renúncia, não reeleição ou cassação — e um senador pode ser julgado pelo que fez num mandato anterior de deputado, para mencionar o caso que está sendo julgado no momento.
O mesmo tribunal tinha decidido em contrário há apenas seis anos. Quem conduz a mudança, como de costume, é o decano Gilmar Mendes.
Reação
Se o STF quer mais proximidade das autoridades com cargo público, parte delas deseja cada vez mais distância do tribunal. Principalmente os aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, para quem se tornou muito mais confortável passar por um processo conduzido ao longo de várias instância do que ser submetido a um julgamento sem direito a recurso, no Supremo.
Esses parlamentares se agitam hoje em torno de projetos para restringir o foro por prerrogativa de função aos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF.
Os ministros do STF conseguiram transformar o foro privilegiado em desprivilegiado, pelo menos para alguns políticos. Isso seria bom, caso não restassem autoridades com razões para se sentirem mais seguras no Supremo.
Os privilegiados
Segundo pesquisa Datafolha, 79% dos eleitores petistas dizem confiar no Supremo, frente a 39% do país em geral e 18% dos bolsonaristas. O dado é eloquente diante de um tribunal de 11 ministros composto por sete indicações de presidentes petistas.
Apesar da movimentação para restringir o foro no Congresso, os políticos que se sentem mais confortáveis no STF resistem à ideia de ficar à mercê de juízes de primeira instância, como foi o hoje senador Sergio Moro (União-PR) durante a Lava Jato.
Muitos deles foram alvo da operação de combate à corrupção e, depois, viram suas condenações serem anuladas pelo STF. Enquanto o Supremo acossa suspeitos de tramar um golpe, também absolve réus confessos e suspende punições.
Se estivessem sendo todos condenados, haveria menos do que reclamar — e também do que desconfiar.
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