No Brasil, “dono de Porsche” se tornou rótulo pejorativo
A Porsche foi obrigada, dias atrás, a se manifestar oficialmente, ratificando - como se precisasse - a segurança de seus carros
Há, na imprensa, cacoetes extremamente irritantes. Eu mesmo – como qualquer um que escreve com frequência – os tenho e cometo diariamente. Já há alguns anos, porém, dois me chamam a atenção e me incomodam sobremaneira: “carro de luxo” e “condomínio de luxo”.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o terceiro país com mais mortes anuais em acidentes de trânsito no mundo – mais de 33 mil em 2022 -, atrás apenas de China e Índia, que têm populações cerca de sete vezes maiores que a nossa.
Já de acordo com um estudo produzido pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), são cerca de 300 mil acidentes por ano em ruas, avenidas e estradas, envolvendo todos os tipos de veículos automotores, com ou sem vítimas – e apenas os que foram registrados.
Um pouco mais de informações
O último censo (2022) realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o Brasil possui cerca de 90 milhões de domicílios. Cerca de 85% da população, mais ou menos 171 milhões de pessoas, moram em casas.
Ainda assim, há um déficit habitacional de cerca de 6 milhões de moradias, que empurra milhões de pessoas para residências extremamente precárias – muitas, inclusive, em áreas de risco – e mesmo para a chamada “situação de rua” (cerca de 230 mil pessoas).
Isto posto – pois era importante eu contextualizar os fatos e apresentar dados antes de prosseguir -, vamos aos malditos cacoetes. Em tempo: não há como dissociar o preconceito histórico das esquerdas contra os ricos, tão comum nas redações, com a adjetivação “de luxo”.
Residências de luxo
Todos os dias, infelizmente, são registradas milhares de ocorrências de violência – de todos os tipos – no Brasil. Após e durante a pandemia em 2020 e 2021, com a disparada dos serviços de delivery os casos de agressões a entregadores também dispararam.
Obviamente, 99.99% deles não são noticiados, mas basta um caso ocorrer em um condomínio, ou edifício de classe média alta, que logo ganha as manchetes: “Morador de edifício de luxo agride”. Ou então: “Em condomínio de luxo, entregador é ofendido”.
Eu pergunto: uma agressão física, ou ofensa de cunho racista, é mais grave se a autoria for de alguém com mais dinheiro? É claro que estou sendo meramente retórico, pois a resposta é “não”. Ao menos deveria. Mas é quase um “fetiche jornalístico” estampar o “de luxo” no título.
Carros de luxo
Dentre as centenas de acidentes diários no país, aproximadamente 35% ocorrem em cidades. Exceto aqueles muito impactantes, nenhum vira notícia. Mas se a ocorrência envolver um carro mais caro – principalmente, importado – a manchete grita: “Carro de luxo”.
Sim. É um tal de “Carro de luxo atropela” pra cá, “Carro de Luxo mata” pra lá. Primeiro que um carro não atropela nem mata ninguém, mas sim o motorista. Segundo que o “de luxo” só serve para criminalizar (antecipadamente) o condutor e vitimizar (ainda mais) a própria vítima.
Qual a relevância do valor do veículo, senão a mera “lacração” social? Acaso um carro velho, dirigido por uma pessoa pobre, goza de algum “privilégio jornalístico”? Por que não: “Monza 1986 atropela e mata”? Sem demérito algum aos proprietários de um Monza 1986, é claro.
O Brasil avacalhou a Porsche
No caso da marca alemã a situação é ainda mais recorrente. Apenas este ano, cinco acidentes com seus veículos terminaram em mortes no país. Sem falar nos casos de menor gravidade, envolvendo “Um motorista de Porsche”. Um prato cheio para as manchetes
Hoje mesmo, quinta-feira (15), feriadão aleatório – como diz a garotada – em Belo Horizonte, todos os sites locais estampam em suas manchetes: “Motorista de Porsche derruba moto e agride entregador”. Caramba! E se fosse o motorista de um… Monza 1986?
A Porsche foi obrigada, dias atrás, a se manifestar oficialmente, ratificando – como se precisasse – a segurança de seus carros, pedindo aos proprietários a observância e respeito às regras de trânsito. Será que agora terá de pedir, também, para que não agridam entregadores?
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