Nem motosserra nem jeitinho são soluções verdadeiras
Presidente da Argentina, Javier Milei, afirmou na noite de terça-feira, 26, que pretende demitir 70 mil funcionários públicos
O argentino Javier Milei e os governadores dos mais endividados estados brasileiros oferecem um contraste interessante no noticiário desta semana.
Milei afirmou na noite de terça-feira, 26, que pretende demitir 70 mil funcionários públicos. Depois disso, o porta-voz da presidência explicou que o número está em estudo e que os cortes mais imediatos devem atingir 15 mil servidores. Ainda assim, o argentino mostrou que continua disposto a empunhar a motosserra, como dizia durante a campanha do ano passado, para reduzir os gastos do Estado.
Pouco antes da fala de Milei, os governadores do Sul e do Sudeste haviam se reunido em Brasília com ministros do governo Lula para renegociar as dívidas de seus estados. Segundo eles, os juros cobrados pela União tornam as dívidas impagáveis e sufocam a capacidade de investimento das unidades da federação.
O argentino quer sangue; os brasileiros querem um jeitinho. Não é boa de verdade nenhuma das duas saídas para lidar com o problema pavoroso do ajuste fiscal que ronda a todos.
Não se sabe qual a economia que Milei pretende alcançar. Se não forem feitas com a devida cautela, demissões em massa como as anunciadas por Milei tendem a ser judicializadas e criar outro tipo de passivo para o Estado. Além disso, mesmo que chegue ao número de 70 mil “degolas”, o presidente nem sequer fará cócegas na gigantesca burocracia argentina, que abriga cerca de 3,5 milhões de pessoas.
Não existe ato presidencial que, sozinho, possa reduzir drasticamente o tamanho desse organismo: medidas negociadas com o Congresso e com a população são incontornáveis. Assim, declarações espetaculosas como as do argentino (que logo em seguida têm de ser qualificadas pela sua equipe técnica) cumprem mais uma função política do que administrativa.
O caso brasileiro é inverso. Governos estaduais fogem do confronto com suas respectivas burocracias e nacionalizam a conta, pedindo arrego à União.
Lembremos que houve duas grandes renegociações das dívidas estaduais em cerca de 25 anos: a primeira em 1997, a segunda em 2016-17. Essa segunda repactuação foi necessária, em grande parte, aos estímulos que Lula e Dilma deram aos governadores para que deixassem de lado esse incômodo chamado responsabilidade fiscal.
Os estados mais encrencados atualmente são Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Justiça seja feita, Claudio Castro, Eduardo Leite e Romeu Zema, seus respectivos governadores, promoveram reformas das previdências estaduais, sempre um passo fundamental para o ajuste das contas públicas.
Mas eles não foram além e, enquanto pediam à União juros mais camaradas para o serviço da dívida, deveriam ter dado grande ênfase à necessidade de desinflar a máquina pública de seus estados. Segundo os números de 2023, a dívida do Rio equivale a 188% da receita corrente líquida do estado; a do Rio Grande do Sul, a 185%; a de Minas, a 168%. É importante reiterar que qualquer alívio dado a esses estados grandes e ricos, apesar das dívidas, significa uma nacionalização do problema. A maioria das unidades da federação tem dívidas sob controle atualmente, da ordem de 30% de suas receitas correntes.
Tirar um governo do fundo ou da beira do abismo fiscal é tarefa complicada, que requer um pouco de habilidade política e um pouco de dureza e determinação. Milei vai precisar de um pouco do primeiro ingrediente para cumprir o seu propósito. A discussão brasileira precisa de uma dose fortíssima da dureza de Milei para impedir que nossos políticos continuem recorrendo sempre ao jeitinho.
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