Não é por Xandão, é pela anistia
Manifestação do 7 de Setembro mostra mais uma vez que livrar Bolsonaro da cadeia e devolver seu nome às urnas são as verdadeiras metas
Livrar-se de Alexandre de Moraes não é o principal objetivo dos bolsonaristas que comandaram, do topo de um carro de som, a manifestação de 7 de Setembro em São Paulo.
Como já haviam deixado claro em um evento semelhante (e muito mais cheio de gente) em março, o que eles querem de verdade é construir condições políticas para votar duas coisas no Congresso: anistia para todos que procuraram incitar uma intervenção militar entre o fim de 2022 e o começo de 2023, de Jair Bolsonaro à bucha de canhão que depredou a Praça dos Três Poderes; e a anulação da inelegibilidade do ex-presidente, com base em alguma feitiçaria legislativa.
Quem tiver dúvidas a esse respeito, ouça novamente na internet os discursos de Silas Malafaia e do próprio Bolsonaro.
Um vilão para a narrativa
Na pregação de Malafaia, a tarefa é devolver Bolsonaro ao poder. Para isso, ele aborda uma a uma, laboriosamente, as acusações que pesam sobre seu aliado político. Até mesmo a gatunagem de quinta categoria das joias sauditas ele se esforça para desculpar. E então o pastor compara as ações de Bolsonaro, todas elas angelicais segundo a sua descrição, com os “verdadeiros crimes” cometidos por Alexandre de Moraes.
Idem para o discurso do “capitão”. Ele foi construído seguindo o velho roteiro: eu desafiei o sistema; eu fui perseguido pelo sistema; eu não vou me render. A anistia é necessária para pacificar o país. A reversão da inelegibilidade será obtida no Congresso.
Xandão é necessário a essa turma como vilão de uma história em quadrinhos em que eles são os justos. É apontando para o ministro que os sentimentos de revolta e indignação que fazem as pessoas saírem de casa são despertados. O fato de haverem produzido um boneco inflável apelidado de “Xandão”, que só não foi usado na avenida por medo de que levasse à prisão de alguém, ilustra bem essa necessidade de dar corpo e cara ao inimigo.
Leia também: Por que não pode haver anistia
Grito de guerra
O impeachment de Alexandre de Moraes ou de qualquer outro ministro do STF é grito de guerra e ferramenta de pressão. Mas não é a meta verdadeira de Bolsonaro, que só se preocupa em escapar da cadeia e recobrar, antes de 2026, o direito de concorrer às eleições (afinal, há gente como Pablo Marçal querendo invadir seu latifúndio na direita).
Fique à vontade quem quiser servir de massa de manobra a esse projeto personalista.
Isso quer dizer que Alexandre de Moraes é um doce de côco? De jeito nenhum.
O autoritarismo do STF
Há muito tempo, ele e seus colegas do STF desvirtuaram (ainda mais, visto que o bicho já nasceu torto) o inquérito das fake news, transformando-o não em ferramenta de investigação, mas de ameaça e controle político.
Há muito ele e seus colegas do STF vêm construindo um aparato policialesco no TSE – a tal Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), que esquadrinha mesmo fora do período eleitoral o discurso político na internet e nas redes sociais.
Há muito ele perdeu a medida daquilo que um juiz deve ou não deve fazer, encomendando bloqueios de contas na internet e nas redes sociais em vez de apenas decidir se esse bloqueio é legal ou não (e seus colegas do STF o respaldam nisso).
Há uma semana, ele mandou tirar do ar uma rede social inteira, sem ponderar o prejuízo que isso causa a 22 milhões de terceiros, vítimas colaterais.
Ele também ignorou com uma única canetada a personalidade jurídica de duas empresas diferentes – X e Starlink – tratando-as como “grupo econômico de fato” como se isso não exigisse um processo específico e não pusesse em risco a crença, que já não é das maiores, na segurança jurídica existente no Brasil.
E seus colegas do STF o respaldam nisso.
Tudo isso precisa ser denunciado, combatido e revertido.
Só acho que não vale a pena lutar contra o autoritarismo que se incrustou no coração do STF em nome de outro projeto autoritário, como o bolsonarismo.
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