Mulher, preta, pobre? Também. Mas escolho Rebeca Andrade; atleta fenomenal Mulher, preta, pobre? Também. Mas escolho Rebeca Andrade; atleta fenomenal
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Mulher, preta, pobre? Também. Mas escolho Rebeca Andrade; atleta fenomenal

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Ricardo Kertzman
5 minutos de leitura 06.08.2024 09:31 comentários
Análise

Mulher, preta, pobre? Também. Mas escolho Rebeca Andrade; atleta fenomenal

Em 2016, quando Rafaela Silva ganhou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio, uma verdadeira “lacração racial” tomou conta do país

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Mulher, preta, pobre? Também. Mas escolho Rebeca Andrade; atleta fenomenal
Vídeo: Rebeca Andrade e ovacionada em voo após a fazer história nas Olimpíadas. Foto: Time Brasil @timebrasil

Absolutamente ninguém, em sã consciência e dotado de um mínimo de honestidade intelectual – desde que, claro, não siga nenhum pastor ao primeiro toque do berrante -, pode desconsiderar o preconceito social reinante no Brasil, principalmente dentro das classes mais favorecidas da população. Não conheço abastado – e nem precisa ser tão abastado assim – que não olhe torto para o(a) crush do(a) filho(a) se este(a) for de classe média baixa, ou pior, pobre de marré desci. Não raro, inclusive, até mesmo a exclusão sumária da mera convivência.

A desigualdade decorrente da pobreza e da extrema pobreza é uma chaga exposta na nossa sociedade, mas a imobilidade social é ainda mais triste e nociva. A depender do CEP em que se nasce, o novo brasileiro estará praticamente condenado a, de lá, jamais sair. As exceções são raras, para não dizer raríssimas, estatisticamente falando. E as poucas oportunidades de ascensão social se encontram, basicamente, em atividades “individuais”, que não exigem maior grau de escolaridade ou grande conhecimento geral.

As artes, a cultura e o esporte, principalmente, são os propulsores dessa mínima mobilidade social. Mais recentemente, as redes sociais, que produzem influencers por todos os lados, também. E não menos real e grave, além de abjeto e indecoroso, temos o preconceito racial – diferente de racismo -, via de regra, irmão siamês do preconceito social. Até porque, 72% por cento da população preta e parda do país são pobres, segundo o IBGE. Infelizmente, pobreza e cor da pele, no Brasil, são praticamente indissociáveis.

Uma mudança louvável

Em 2016, quando Rafaela Silva ganhou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, uma verdadeira “lacração racial” tomou conta do país. De forma absolutamente mesquinha – e injusta – descaracterizaram a atleta e todo seu esforço pessoal, e passaram a enaltecer apenas a “mulher, preta e pobre”, como se fossem indivíduos dissociados. A personagem (mulher, preta e pobre) superou a atleta (Rafaela) e “tomou-lhe” o ouro olímpico. Se existe apropriação indébita fora do mundo jurídico, eis um exemplo.

Ao assistir e me emocionar com a nossa nova recordista, Rebeca Andrade, vencedora do mais dourado ouro da história da ginástica olímpica feminina, já que bateu ninguém menos que a “extraterrestre” Simone Biles, não pude deixar de notar sua reação – e dos próprios narradores – totalmente apática em relação à sua cor e origem social. Confesso, feliz, que não esperava – nem dela nem da imprensa – tal comportamento. Até porque, como em 2016, vivemos sob um governo petista, useiro e vezeiro do populismo identitário.

Considero o bolsonarismo um dos mais danosos movimentos da história do país. Não sei, sinceramente, se pior que o lulopetismo. Cada um com seus defeitos e efeitos catastróficos. Mas se há algo para se pinçar de bom nessa turma é o combate à lacração identitária – fácil e falaciosa -, da esquerda brasileira. Parte dessa gente sempre se apropriou indevidamente, pois cinicamente, das pautas dos menos favorecidos e das minorias, sobretudo homossexuais e pretos. Haja vista, por exemplo, o apoio às tiranias iranianas, venezuelanas e afins

Rebeca e Rebecas

Eu não saberia dizer se por isso (bolsonarismo) o “nem te ligo, farinha de trigo” de Rebeca e grande parte da imprensa esportiva para a cor da pele da nossa atleta dourada e sua difícil história – que, sim, valorizam suas conquistas – de menina pobre de Guarulhos e filha, ao lado de seis irmãos, de uma empregada doméstica. Particularmente, e acho que Rebeca e a maioria dos brasileiros concordam comigo, escolho enaltecer sua superação física e mental após três cirurgias, e valorizar tudo o que viveu desde os nove anos de idade.

Rebeca foi morar longe da família, em Curitiba, para se dedicar ao esporte que hoje a consagrou de uma vez por todas. Abdicou de uma infância e adolescência regulares e fez dos treinos sua vida. Hoje, rica e consagrada, serve como exemplo para todas as meninas pobres e pretas do Brasil (porque sofrem, sim, como só elas sabem), mas sem – jamais! – ao invés da mensagem de superação, adotar o vitimismo (ainda que seja real e cruel) por sua cor e origem social como bandeira. O proselitismo nunca foi nem será um bom aliado.

Saúdo com alegria, emoção e extremo respeito essa e todas as Rebecas. Oxalá fôssemos abundantes em heróis e heroínas, sejam brancos, pretos, pardos, indígenas ou o escambau, porque no fundo no fundo somos todos seres humanos, essa espécie muitas vezes esquecida pelos oportunistas. A luta legítima – empática e solidária – por quem precisa é nobre. E sou dela um soldado. Proselitismo político e identitário, às custas do sofrimento alheio, são coisas diferentes e desprezíveis, e de mim só encontrarão resistência.

Em tempo: sou absolutamente contra a isenção de imposto de renda para os atletas olímpicos. Justamente por causa da Rebeca – não essa, rica, mas a que nasceu e cresceu em uma vila pobre de Guarulhos – se é que me entendem.

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