Lula, urubus populistas e a carniça dos pobres
No país dos privilégios, quem se importa com critério? Principalmente se a regalia render popularidade e votos, não é verdade?
Não são poucos e raros os bons ensaios e livros, de autores diversos, sobre as causas do nosso fracasso social e econômico. É recorrente, e correto, atribuir boa parte da nossa doença fiscal crônica – para além da incompetência, do desperdício e da corrupção – à cultura do privilégio, enraizada em nossa sociedade (e nas relações desta com o Estado) desde a chegada dos portugueses. Se há uma “mãe de todas as causas”, aí está ela.
Um dos melhores livros que já li a respeito (e que recomendo) é O Flagelo da Economia de Privilégios: Brasil, 1947 – 2020, de Fernando de Holanda Barbosa (vou lhes dispensar o currículo do autor, pois levaria duas horas escrevendo), um dos maiores estudiosos do assunto. Em pouco mais de 200 páginas, o especialista destrincha, de forma acachapante, a armadilha fiscal que construímos – e que dela não saímos – a partir dos privilégios.
Muito simplória e resumidamente, trago para vocês a principal conclusão, dentre tantas, do livro. Fernando organiza em décadas, ciclos e governos os últimos 70 anos do país, e demonstra como, exceto em dois ou três diminutos soluços de austeridade e equilíbrio fiscais, produzimos déficits correntes – e recorrentes – em nossas contas, impedindo que o país cresça sustentadamente, a partir de ganhos de produtividade e poupança interna.
Taxação olímpica
A maior das lições, contudo, é a prova da forma mesquinha como as elites do país – ou castas – se organizam em torno de privilégios, para si e/ou para quem lhes é próximo ou interessante. E aí não há distinção entre público e privado, pois as relações se misturam. Os subsídios e as desonerações fiscais de setores escolhidos a dedo, sempre com a justificativa do bem comum, talvez sejam os exemplos mais claros e frequentes que temos.
O Brasil, por seus governos e governantes, e aqui não poupo estados e municípios nem tampouco os demais Poderes, pois estão juntos e misturados no compadrio da exploração do Público (com P maiúsculo; favor não confundir com o que é público), decidiram que a eles vale e pode tudo, ainda que custe – sobretudo a quem pesa mais o encargo dos privilégios: os pobres) o eterno subdesenvolvimento ou, no máximo, o status “em desenvolvimento”.
A Taxação Olímpica – termo cunhado neste O Antagonista, aliás – é o mais recente caso dessa cultura inútil e ineficaz. Congressistas populistas e oportunistas, como aves de rapina, farejaram uma oportunidade de “lacração” (e votos) sobre a premiação dos atletas brasileiros que disputam os Jogos Olímpicos de Paris. Como sempre, de forma simplória e açodada, propuseram a isenção de impostos sobre os ganhos dos “heróis nacionais”.
Não há almoço grátis
Em um tempo de redes sociais como fontes onipresentes, onipotentes e oniscientes de informação, e de políticos tiktokers como pensadores e formuladores das políticas do país, a ideia ganhou corpo e o apoio da população que, coitada, acredita que toda isenção de impostos é boa, e que todos que fazem algo de bom para o país – já que os políticos não fazem – merecem benefícios (que os políticos têm), seja lá quem pague por isso.
A Receita Federal, acertadamente, se manifestou e explicou, em nota, a impossibilidade do benefício (privilégio), e chamou a atenção para o óbvio ululante: as medalhas não são tributadas, mas sim as premiações em dinheiro (rendimentos), como ocorre com qualquer trabalhador brasileiro que receba mais do que R$ 2.640,00 (o limite de isenção). A despeito do orgulho que nos dão nossos medalhistas, são profissionais – e a maioria, muito bem remunerada por sinal.
Não faz, portanto, o menor sentido isentar de IR (Imposto de Renda) o atleta que recebe um prêmio de dezenas ou centenas de milhares de reais. Até porque, como sempre, a isenção que alguém – ou um setor – recebe, será imediatamente paga (reposta) por outros. É a lógica do privilégio. Um enfermeiro, um policial, um professor, um bombeiro, enfim, são tantas as profissões e tantos os profissionais; também não são merecedores por seus méritos?
Lula, a águia entre os urubus
No país dos privilégios, quem se importa com critério? Principalmente se a regalia render popularidade e votos, não é verdade? Por isso, mais do que depressa, sentindo cheiro de carniça, no caso, ganho eleitoral para os adversários, eis que aparece o rei da rapinagem, a águia entre os urubus, o “pai dos pobres”, o presidente Lula e edita uma Medida Provisória (MP) para, ao fim e ao cabo, transferir mais renda dos pobres para os ricos.
“A Medida Provisória modifica a Lei nº 7.713, de 1988. A regra passa a prever que valores recebidos por atletas em Jogos Olímpicos e Paralímpicos como premiação pela conquista das medalhas, pagos por Comitê Olímpico do Brasil (COB) e Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), ficam isentos de tributação pelo Imposto de Renda”, informou o Palácio do Planalto nesta quinta-feira (8), o dia do “Nós Não Vamos Pagar Nada” (Titãs, em Aluga-se).
Rebeca Andrade, Gabriel Medina, as meninas do futebol e do vôlei, enfim… Esse pessoal, em maior ou menor escala e valor, recebe, por ano, o dinheiro equivalente a muitas décadas, senão séculos – e não é força de expressão, não! – do salário de um trabalhador simples no Brasil. Essa turma, pelos rendimentos acumulados, faz parte dos 5% mais ricos do país. Não é isentando-os de imposto de renda, que lhes renderemos as mais do que justas homenagens.
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