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Lembra quando Boulos cobrava decoro parlamentar?

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Rodolfo Borges
4 minutos de leitura 16.05.2024 17:25 comentários
Análise

Lembra quando Boulos cobrava decoro parlamentar?

É farto o registro de críticas do pré-candidato à Prefeitura de São Paulo a esquemas de rachadinha. Mas elas só valem para seus opositores, assim como suas cobranças por ética

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Rodolfo Borges
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Lembra quando Boulos cobrava decoro parlamentar?
Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP, foto) projetou a imagem de justiceiro durante os anos como líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Nesse tipo de grupo, burlar a lei é justificado em nome do que se considera correto. Há um paradoxo na raiz dessa forma de pensar e agir, mas é possível reunir prestígio com base nele. Desde que se mantenha alguma coerência.

Logo no ano em que disputa com mais chances (arrastou até o PT) o cargo de prefeito de São Paulo, contudo, coube ao socialista relatar o caso de um aliado no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. E não se viu nenhum sinal de indignação no antigo líder sem-teto na leitura do relatório que rejeitou o pedido de cassação de André Janones (Avante-MG) na quarta-feira, 16.

Aliás, Boulos ficou indignado sim, mas porque os acusadores pretendem punir Janones indevidamente, de acordo com sua argumentação — que será analisada pelos colegas nas próximas reuniões do grupo. O problema é que seus argumentos para salvar o aliado da cassação não ficam de pé — e, ainda por cima, contradizem seu discurso passado.

“Deturpou”

A Folha de S.Paulo analisou em detalhes o relatório em que Boulos pede o arquivamento da acusação de rachadinha contra Janones, embasada em gravação na qual o próprio deputado mineiro sugere a assessores que devolvam dinheiro.

Segundo o jornal, o pré-candidato do PSOL “deturpou uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) para justificar o voto pelo arquivamento da suspeita de ‘rachadinha’ contra o parlamentar mineiro”. Para embasar a alegação de que Janones não tinha mandato parlamentar quando sugeriu o esquema de rachadinha, o socialista mencionou um trecho de decisão do ministro Luiz Fux que autorizou abertura de inquérito sobre o caso de Janones.

“A Procuradoria-Geral da República aponta que, ‘pelo teor do áudio noticiado, seriam correspondentes às eleições municipais de 2016′”, diz Fux na decisão. Boulos menciona apenas esse trecho em seu relatório, mas o texto de Fux segue assim: “Não obstante, [a PGR] ressalva que ‘o possível repasse de valores a André Luis Gaspar Janones pode estar relacionado às despesas de campanha das eleições gerais de 2018, em que foi eleito Deputado Federal’, tendo em vista que os fatos citados teriam ocorrido em fevereiro de 2019”.

Em fevereiro de 2019, Janones já tinha assumido seu mandato de deputado federal. Questionado pela Folha, Boulos reafirmou o tortuoso argumento, destacando que nem sequer analisou o mérito da denúncia:

“O voto pelo não prosseguimento da denúncia não entrou no mérito, e foi baseado na jurisprudência do próprio Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, mais precisamente a preconizada no relatório que arquivou a representação 34/2014, aprovada por unanimidade, que esposou o entendimento de que o Conselho só pode julgar casos ocorridos no exercício do mandato parlamentar”.

Passado

A leniência de Boulos nesse caso está muito distante, por exemplo, do episódio em que anunciou, em fevereiro último, que pediria a cassação do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) “por incitar as Forças Armadas a ações golpistas de descumprimento judicial”.

Em julho de 2023, seu alvo foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por ter dito que “não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante de drogas que tenta sequestrar e levar nossos filhos para o mundo do crime”.

Mas o pior exemplo para o aspirante a prefeito do PSOL foi o episódio em que pediu, enquanto líder de seu partido, a cassação de quatro deputados de oposição sob a acusação de terem incentivado a depredação dos palácios de Brasília no 8 de janeiro.

E os mandatos?

Quando os atos ocorreram, contudo, Sílvia Waiãpi (PL-AP), Clarissa Tércio (PP-PE), Abílio Brunini (PL-MT) e André Fernandes (PL-CE) ainda não tinham tomado posse — a legislatura só começou em fevereiro.

Pela argumentação apresentada por Boulos para proteger Janones, não havia decoro para esses deputados de oposição quebrarem antes de assumir os cargos para que foram eleitos na Câmara.

Também é farto o registro de críticas do socialista a esquemas de rachadinha. Mas, como se vê, elas só valem para seus opositores. A relatoria do caso de Janones não poderia ter vindo em pior hora para o pré-candidato a prefeito.

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Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

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