Crusoé: Jesus não é de esquerda nem de direita. Jesus é o Cristo
Lula já criticou publicamente a instrumentalização da religião; a ele incomoda que outros instrumentalizem a fé das pessoas, afinal, essa é uma arte na qual ele é mestre e não lhe apraz dividir com ninguém tal estratégia política
A minha espiritualidade se desenvolveu no silêncio. A consciência de que é nesse terreno que a minha fé cresce e amadurece responde por um certo pudor que me faz evitar ao máximo tratar do sagrado em contexto que não seja próprio para tal fim. E não consigo ver contexto mais inapropriado para tratar do sagrado do que o contexto político. A ironia está no fato de que, muitas vezes, sou estimulada a fazer um contraponto àqueles que são useiros em profanar o sagrado nesse terreno. Isso me coloca em contradição uma vez que, no ato de me contrapor, acabo falando do sagrado em um contexto político.
Escrevo essa crônica, portanto, a contragosto. E refletindo, nesse momento, sobre o porquê da resistência, da relutância e do incômodo, concluo simplesmente que me repugna o fato de ter que juntar o nome Jesus e Lula em uma mesma linha. Da mesma forma, repugnar-me-ia tê-lo que fazer com o nome de Bolsonaro, Marçal, Malafaia ou quaisquer dessas outras figuras caricatas que costumam trazer o nome sagrado para a lama politiqueira na qual chafurdam.
No Brasil, são muitos os exemplos de apelos mistificadores e demagógicos feitos em nome de Jesus. O exemplo mais recente, porém, foi uma fala do presidente, dita em palanque, em comício de apoio a um candidato petista no interior da Bahia. Lula falou:
“A gente não tem medo de dizer que a gente é de esquerda, porque ninguém foi mais de esquerda do que Jesus Cristo. Ninguém. Ninguém brigou mais pelos pobres que Jesus Cristo. É exatamente por brigar pelos pobres, de cuidar dos doentes, de atender os mais necessitados que os ricos da época mandaram crucificar Jesus Cristo. Não podemos esquecer isso, porque não é nenhum granfino que vai cuidar de vocês.”
Lula já criticou publicamente a instrumentalização da religião; a ele incomoda que outros instrumentalizem a fé das pessoas, afinal, essa é uma arte na qual ele é mestre e não lhe apraz dividir com ninguém tal estratégia política. Com Lula, aliás, não se trata apenas de fazer demagogia para um público religioso ou de se mostrar em atitude de adoração forjada, estereotipada, para ser visto, fotografado e filmado; algo corriqueiro entre candidatos em tempo de eleição. Trata-se de algo ainda mais grave. Lula tem o estranho e patológico hábito de se comparar a Jesus.
Em 2022, o jornalista Felipe Moura compilou algumas dessas falas bizarras, dentre as quais destaco uma, dita em Garanhuns, em 2010, durante ato de campanha de Dilma Rousseff: “Se eu pudesse destacar uma imagem das facadas que eu tomei e eu pudesse tirar a camisa, o meu corpo estava mais estraçalhado do que o corpo de Jesus Cristo depois de tantas chibatadas que ele tomou“.
Falas desse tipo, em vez de demonstrar apreço, proximidade ou respeito à religião cristã, explicitam apenas uma personalidade rústica, primitiva, incapaz de se elevar à mínima compreensão do sagrado e que, por isso mesmo, não tem pudor em comparar as vicissitudes da sua vida torpe às chagas da paixão do redentor da humanidade.
Nesse aspecto, Lula se comporta como um líder tribal, que carece da mistura entre religião e política para assegurar sua posição de poder. Sua figura precisa ser mitificada, cultuada: “Eu não sou mais um homem, sou uma ideia”, declarou ele, em 2018, em velório-missa-comício realizado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, antes de ser preso pela polícia federal.
Mas voltemos àquela estupidez mais recente dita por Lula, asseverando que “ninguém foi mais de esquerda do que Jesus Cristo.”
Jesus é de esquerda?
Jesus nunca foi de esquerda nem de direita. Tais termos, oriundos da Revolução Francesa de 1789, designam correntes políticas que se, às vezes, agiram – e continuam agindo – por motivos benévolos, muitas outras vezes agiram impulsionadas pelo mais apaixonado ódio, resultando tais ações em violências e crueldades estarrecedoras.
O primeiro exemplo pode ser dado na própria Revolução Francesa, quando os jacobinos, facção dominante da esquerda, após elevar-se como campeã da liberdade, degradou-se na violência assassina do regime do terror. Por sua vez, a reação termidoriana, comandada por uma coalizão mais à direita, de moderados e conservadores, se conseguiu debelar o terror, não o fez sem uso de violência, a começar pelo uso da guilhotina no pescoço de Robespierre.
Tentar acomodar Jesus Cristo nos braços da esquerda ou da direita, além de demonstração de ignorância e má-fé, será sempre um grande desserviço ao cristianismo. A despeito disso, uma inteira doutrina foi elaborada na América Latina por padres militantes e outros intelectuais cristãos no intuito de vender Jesus como um típico líder de esquerda e os Evangelhos como guia da revolução proletária, numa tentativa insana de aproximar cristianismo e marxismo. Falo, claro, da teologia da libertação. […]
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