Chiliques e ameaças de Alexandre Silveira não vão melhorar o setor elétrico
Governo ainda está devendo diretrizes finais para renovação de concessões que começam a vencer daqui a pouco, em sequência
Vivo em São Paulo e sei muito bem que a Enel-SP tem prestado um serviço ruim aos consumidores de energia elétrica da cidade. A região onde moro não é das mais atingidas por apagões, mas conheço bastante gente que se considera mais vítima do que cliente da empresa. Ela tem de ser cobrada duramente por melhorias no serviço.
Ainda assim, não consigo simpatizar com a maneira como o ministro das Minas e Energia Alexandre Silveira (PSD-MG) entrou no assunto nesta semana.
Silveira fez algo que está dentro de suas atribuições: pediu que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que fiscaliza e regulamenta o setor, abra um processo disciplinar contra a Enel-SP.
Mas ele avançou o sinal ao afirmar, na segunda-feira, 1, que a distribuidora “terá poucas chances de se defender nesse processo”, tendo em vista o seu histórico de desempenho. Silveira chegou a dizer que o processo pode desembocar na interrupção antecipada do contrato de concessão da empresa, que vence em junho de 2028.
Interferência indevida
Não cabe ao ministro antecipar as conclusões da Aneel. Pelo contrário, ele deveria zelar para que a agência possa desempenhar o seu trabalho técnico com autonomia.
Mas Silveira, embora pertença ao PSD, o partido sem nenhum caráter (“não é nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”) criado por Gilberto Kassab, tem o tique autoritário-intervencionista da esquerda lulista. Tanto assim que está muito confortável no governo atual.
O ministro entrou rasgando no debate por razões puramente políticas. Ficou irritado quando o prefeito de São Paulo Ricardo Nunes lembrou que as concessões de energia elétrica são feitas pela União, a quem cabe cobrar excelência das distribuidoras.
Silveira passou recibo nesta terça-feira, 2, ao contatar Ricardo Boulos, o candidato do Psol e do PT à prefeitura paulistana, para falar sobre a Enel-SP. Nunes disse à imprensa que não foi procurado para conversa semelhante e emendou uma frase esperta: “o ministro só é rápido para fazer política”.
Em tempo: Nunes não está livre de culpas nessa histórica, porque muitas interrupções no fornecimento de eletricidade em São Paulo são causadas por quedas de árvores, cuja poda é de responsabilidade do município.
Ranking
Mas voltemos ao ministro. Silveira decidiu dar um tratamento de choque (perdão pelo trocadilho besta) à Enel-SP, como se essa fosse a única empresa com serviços mal avaliados no Brasil. Não é.
Em meados de março, a Aneel divulgou o ranking de desempenho das 29 distribuidoras que atendem mais de 400 mil consumidores no Brasil. No quesito “continuidade do fornecimento”, a Enel-SP está na vigésima primeira posição (empatada com a Enel-RJ e a Equatorial, do Maranhão).
Outras seis distribuidoras têm índice pior de serviço, entre elas a Cemig, de Minas Gerais, base política de Silveira. A Assembleia Legislativa do estado se reuniu em dezembro do ano passado para fazer cobranças à empresa. Parece mais preocupada com o assunto do que o ministro.
Faltam diretrizes
Assim como a Enel-SP, outras 19 distribuidoras têm contratos de concessão vencendo entre 2025 e 2031. O assunto é sério. É uma oportunidade histórica para rever o modelo e melhorar as regras do setor, que começaram a ser desenhadas há 30 anos.
Nas suas entrevistas nesta semana, esbravejando sobre a Enel-SP, Alexandre Silveira disse que as regras das concessões são “frouxas”. Não entrou em mais detalhes. Mas são justamente as diretrizes para a renovação das concessões que o mercado aguarda receber do governo há mais de um ano. A EDP Espírito Santo, cujo contrato vence em julho de 2025, deveria ter recebido essas diretrizes em janeiro. Ainda aguarda.
O setor de energia brasileiro precisa de boas regras e segurança jurídica para melhorar. Não de chiliques, ameaças e interferência indevida de Alexandre Silveira nas decisões da Aneel, que deve ser independente.
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