"As joias são minhas", diz Bolsonaro. Não são  "As joias são minhas", diz Bolsonaro. Não são 
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“As joias são minhas”, diz Bolsonaro. Não são 

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Carlos Graieb
5 minutos de leitura 12.08.2024 15:31 comentários
Análise

“As joias são minhas”, diz Bolsonaro. Não são 

Decisão do TCU animou ex-presidente, mas vale menos que uma joia falsa: é absolutamente inconstitucional

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Carlos Graieb
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“As joias são minhas”, diz Bolsonaro. Não são 
Foto: Beto Barata/ PL

“São minhas”, disse o ex-presidente Jair Bolsonaro neste sábado, 10, a respeito das joias que recebeu de presente como representante máximo do governo brasileiro.  

Mas ele não quer mais vendê-las e embolsar o dinheiro. Com tocante generosidade, prometeu leiloá-las e entregar os valores à Santa Casa de Juiz de Fora, onde foi atendido depois de sofrer um atentado a faca na campanha de 2018.  

Foi a primeira declaração de Bolsonaro depois de o Tribunal de Contas da União (TCU) ter destroçado o seu próprio entendimento de 2016, a respeito dos presentes que os ocupantes momentâneos do Palácio do Planalto podem considerar ou não como sendo seus. 

Bagunça e baboseira

Naquela ocasião, os ministros haviam esclarecido que itens valiosos como joias e obras de arte não podem ser vistos como personalíssimos e assim incorporados ao patrimônio pessoal dos presidentes.

Foi uma iniciativa necessária, disse então a Corte, para sanar a bagunça instaurada na gestão dos acervos presidenciais desde 2002. Para usar a expressão exata, o objetivo era sanar “graves irregularidades”.  Com isso, Lula e Dilma receberam ordem de devolver mais de 700 presentes.

Na nova decisão, o TCU decidiu que o certo é reinstaurar a bagunça e as irregularidades. Cada presidente decide o que é seu. Uhu.  

O TCU também renunciou a suas prerrogativas, dizendo que sem uma lei aprovada no Congresso, não pode definir o que fica ou não com os presidentes depois que eles deixam o cargo. Isso é uma completa baboseira. Essa definição já está implícita na própria natureza do direito administrativo, que é a esfera de atuação do tribunal.  

Precedentes são titica

Falemos primeiro da reviravolta na jurisprudência. Não é supresa, infelizmente. Os tribunais brasileiros se acostumaram a tratar as suas próprias decisões como titica de galinha. Passam por cima delas sem a menor cerimônia, como se uma de suas funções não fosse estabilizar a interpretação das leis e promover a segurança jurídica. 

O mau exemplo vem de cima, do STF. O caso clássico é o do cumprimento de pena em segunda instância. O tribunal mudou de opinião três vezes em uma década: em 2009, 2016 e 2019. Nessa última ocasião, o movimento foi encabeçado pelo ministro Gilmar Mendes, que admitiu tê-lo feito com base em uma “leitura política” da situação brasileira: em meio à sujeirada desencavada pela Lava Jato, julgou que era melhor postergar prisões.  

Em qualquer sistema jurídico tribunais mudam de opinião. Mas onde há respeito pelos precedentes, essas mudanças são feitas com muito maior parcimônia e cuidado. A Suprema Corte americana mudou seu entendimento sobre aborto em 2022. A jurisprudência anterior datava de 1973. Estava prestes a completar 50 anos.

Joia falsa

A ideia de que o TCU estaria legislando ao dizer que presidentes não podem embolsar presentes caros é uma falácia. Como qualquer calouro de curso jurídico sabe – e portanto os ministros do TCU também devem saber – no direito público vale o princípio de que o Estado e seus representantes só podem fazer aquilo que a lei lhes faculta explicitamente. É o exato contrário daquilo que vale na esfera do direito privado, em que tudo que não for explicitamente proibido, entende-se como autorizado.  

Em 1991, o Congresso aprovou uma lei para dizer que o acervo documental de um presidente – a papelada que acumulou no mandato – pertence a ele. Ou seja, os parlamentares separaram os documentos do restante do acervo para que o chefe de Estado pudesse levá-los para casa. Essa é a lógica. É assim que o direito público funciona desde sempre.  

O TCU fingiu não saber disso para redigir uma decisão que vale menos que uma joia falsa: é absolutamente inconstitucional.

Patrimônio público

Um parêntese aqui: sim, o STF vira e mexe superestima a sua própria competência e a sua própria sabedoria. Faz isso, por exemplo, ao achar que é a instância adequada para definir, em abstrato, a quantidade de droga que distingue um traficante de um usuário. Mas isso não significa que todas as dúvidas que vão parar num tribunal – e aqui me refiro tanto ao STF quanto ao TCU – precisam de uma lei nova para serem dirimidas. As Cortes devem ser capazes de deduzir o que é certo e errado a partir dos princípios da Constituição e do direito. Dizer o contrário não é querer aperfeiçoar, mas sim aleijar um dos três Poderes.  

Voltando à questão dos presentes: os presidentes só serão seus donos se um dia houver lei dizendo isso com todas as letras. Até lá, eles só são donos de seus documentos. O relógio Piaget não é nem nunca foi de Lula.  As joias árabes não são nem nunca foram de Bolsonaro. São patrimônio público.  

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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