As inovações de Tarcísio
Governador de São Paulo tenta implementar soluções alternativas na Segurança Pública e na Educação
O governador Tarcísio de Freitas pôs em marcha duas inovações em São Paulo, uma na Segurança e outra na Educação.
Como os serviços públicos sempre deixam a desejar no Brasil, toda solução alternativa tem mérito, por princípio. Só onde as coisas funcionam muito bem os governos têm o direito de operar no piloto automático.
Isso não significa que as inovações não precisem ser analisadas com lupa. Também não faz sentido embarcar em aventuras que não têm como dar certo.
As duas propostas de Tarcísio já enfrentam resistências duras. Uma parece assentada em bases mais sólidas que a outra.
PM que investiga
No campo da segurança, trata-se de autorizar a Polícia Militar a coletar as informações dos chamados “crimes de menor potencial ofensivo”.
Atualmente, todo trabalho de investigação fica a cargo da Polícia Civil.
Pode ser um furto ou um assalto a banco com armamento pesado, uma lesão corporal sem gravidade ou um assassinato: seja qual for a situação, deve-se levar o caso para uma delegacia.
A PM vigia e reprime; a Polícia Civil coleta provas e prepara inquéritos.
O governo paulista desenhou novas regras que permitirão aos agentes do policiamento ostensivo redigir “termos circunstanciados”, reunindo as provas sobre delitos leves. Eles preencherão na rua mesmo um relatório eletrônico, que depois será revisado por oficiais graduados. Se for preciso ouvir uma testemunha, ela poderá ser conduzida a um batalhão da PM.
Brigas corporativas
Isso, em tese, acelera o procedimento para os cidadãos e para a própria PM e desafoga as delegacias. Mas a polícia civil não está nem um pouco satisfeita com a ideia. Acredita que o governo está esvaziando suas competências.
“Escantear a Polícia Civil não é o caminho”, disse ao Estadão a delegada Jaqueline Valadares, presidente do Sinpesp, o sindicato da categoria.
Como sempre, as intrigas políticas e corporativas já estão correndo soltas. A medida é vista como trampolim para que o Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, que fez carreira na PM, se lance ao senado em 2026. Há disputa por salários entre as corporações. E assim por diante…
Interromper o experimento por causa do corporativismo não faria sentido. As perguntas de fato relevantes dizem respeito à legalidade da medida, à existência de algum risco em se atribuir essas novas funções a PMs e ao benefício obtido pelos cidadãos comuns.
Sinal verde
A questão da legalidade foi resolvida pelo STF em 2023. A Corte decidiu por unanimidade que não existe impedimento para que a PM produza termos circunstanciados diante de pequenos crimes. A sentença vale para o Brasil todo.
Antes disso, em 2022, a mesma decisão havia sido proferida num processo ajuizado pela Polícia Civil de Minas Gerais.
De fato, a iniciativa pode ser novidade em São Paulo, mas já vem sendo testada em Minas e vários outros estados há vários anos. E os exemplos ajudam a responder às outras dúvidas.
Sim, há indícios de que o serviço se torna mais eficiente para a população, pois os termos são lavrados no local do incidente, sem necessidade de deslocamento a uma delegacia. Uma pesquisa publicada em 2022 pelo Ministério da Justiça anotou outros benefícios, como redução da sensação de impunidade, valorização do trabalho dos policiais, redução de burocracia e até economia em combustível e manutenção da frota de veículos da PM.
Mas é necessário investir em treinamento para os policiais, que têm, por exemplo, de se familiarizar com técnicas de coleta de provas e com conceitos legais – inclusive para decidir se podem mesmo cuidar do caso ou devem transferi-lo para a Polícia Civil.
Chat GPT na Educação
Se existem bons motivos para dar sinal verde ao projeto de Tarcísio na Segurança Pública, o terreno é mais escorregadio no caso da Educação: trata-se de usar a inteligência artificial para produzir aulas da rede pública.
A secretaria estadual de Educação, comandada pelo economista Ricardo Feder, já fez uma tentativa desastrada de substituir material didático do governo federal por conteúdo próprio – que continha erros crassos e teve de ser abandonado.
Nesta nova investida, o governo paulista diz que o Chat GPT será usado para aprimorar aulas criadas anteriormente por professores, com a inserção de informações complementares, propostas de atividades e exemplos de aplicação prática dos conhecimentos.
A administração assegura ainda que nada será liberado antes de uma revisão em duas etapas pelos chamados “curriculistas” – os mesmos docentes que hoje produzem o material exigido pelo currículo básico.
Diante de críticas, Tarcísio de Freitas disse que a autonomia dos professores na sala de aula será respeitada e que “não se pode deixar de usar a tecnologia por preconceito”. O que é verdade.
Desafios maiores
O problema é que essa não é, nem de longe, uma maneira ambiciosa de utilizar a inteligência artificial na educação. Ela pode servir simplesmente à padronização de conteúdos, ao passo que o verdadeiro desafio dos governos de hoje em dia é melhorar a habilidade de professores e alunos no uso das novas tecnologias e ajudar os estudantes a desenvolver capacidades de pesquisa.
Segundo o Banco Mundial, qualquer política relacionada ao uso da inteligência artificial deve levar em conta algumas regras básicas, sendo a primeira delas a coleta de informações: “gestores devem primeiro entender se e como professores e alunos já estão empregando o Chat GPT antes de adotar qualquer política que impacte o seu uso. Os professores devem ser parte do processo de decisão sobre como a ferramenta vai ser utilizada”.
Nada disso parece estar no radar do governo de São Paulo. É um motivo para acompanhar o experimento com o máximo rigor e cobrar mais de Tarcísio Freitas.
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Ao contrário do que dizia a versão original deste artigo, a decisão do STF que autorizou PMs de todo o país a lavrar termos circunstanciados é de 2023. O texto foi corrigido.
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