Acidente aéreo: ensaio sobre a morte que não aconteceu
Não consigo crer em uma logística celestial capaz de, entre 8 bilhões de almas, levar simultaneamente embora, da Terra, dezenas de pessoas
Sou judeu por parte de pais, avós e bisavós, até onde sei. Mas é praticamente garantido que eu me mantenha hebreu se retroceder em direção a Abraão, o patriarca do judaísmo, lá pelos idos de entre 1.812 a.C. e 1.637 a.C., período estimado de sua existência.
Nasci e cresci em Brasília, em 1967, e por lá vivi até os dez anos. Além da minha própria família, talvez uma ou outra fossem judias. Apenas em Belo Horizonte, para onde me mudei em 1977, fui conviver com outros judeus. A comunidade mineira é bem pequena, aliás.
Em Brasília (Marista) e em Belo Horizonte (Santo Antônio) estudei em colégios cristãos. Minha mãe gostava de espiritismo, meu pai não ligava para religião e eu, confesso, nem me lembro que “Deus existe”. Longe de ser ateu, me considero agnóstico.
Se Deus quiser
Sempre que acidentes aéreos, como o ocorrido nesta sexta-feira (9) em Vinhedo, interior de São Paulo, com uma aeronave ATR-72, que vitimou 62 pessoas ocorre, a imprensa publica as histórias de quem não embarcou, por acaso, no avião acidentado.
Neste momento, o que mais me chama a atenção, em meio à tristeza pela dor dos familiares e amigos dos mortos, é a crença de que “Deus me salvou”, sempre repetida por aqueles que perderam o voo fatal. E é impossível eu não pensar: Deus?
Sim, porque ou há um Deus para cada pessoa, ou o mesmo Deus que salva, mata, entendem? Deus com D maiúsculo mesmo. Se alguém perdeu o avião porque chegou 5 minutos atrasado, sendo salvo pelo Divino, quem foi em seu lugar não poderá “dizer” o mesmo.
Causos da vida, de morte
Não consigo crer em uma super hiper ultra mega blaster logística celestial capaz de, entre as mais de 8 bilhões de almas (apenas as humanas), conciliar compromissos, atrasos e infortúnios individuais com uma maneira em comum para se levar embora, da Terra, dezenas de pessoas.
Há alguns anos, em BH, um caminhão carregado de bebidas, estacionado em uma das centenas de ladeiras da capital mineira, perdeu o freio, desceu desgovernado por três quarteirões e prensou um homem em um muro de esquina, matando-o na hora.
Dois ou três segundos fizeram a diferença entre morrer e viver, neste caso. Se o moço tivesse parado para tomar um café, feito xixi, ou não, antes de sair de casa, caminhado um pouco mais rápido ou devagar, enfim, estaria centímetros atrás, ou à frente, e não teria sido esmagado.
A certeza do fim
Em Salvador, também há alguns anos, um tijolo despencou de um prédio em construção e matou uma mulher que passava sob a obra. O sincronismo entre o tijolo escorregar da mão do operário e a vítima estar justamente naquele local e momento é perturbador.
O mesmo vale para uma bala perdida que acerta o crânio de alguém, distante do local do disparo. Ou para um caça da Força Aérea belga, que caiu justamente sobre uma choupana isolada, no alto de uma montanha no interior do país, matando o solitário morador.
Para morrer, basta estar vivo. Essa é a única certeza que temos. Por isso somos tão ansiosos e angustiados, em maior ou menor grau, a depender do maior ou menor autoconhecimento – ou completa ignorância sobre nós mesmos. Meus mais sinceros sentimentos pelo acidente.
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