A diferença entre paixão e voto
Um voto apaixonado e um voto contrariado têm o mesmo peso, embora o comportamento de cada eleitor seja muito diferente
Cada vez que Jair Bolsonaro sai às ruas e se vê cercado por uma multidão – como aconteceu mais uma vez neste fim de semana, no interior de São Paulo – inúmeros bolsonaristas vão às redes perguntar como é possível que Lula tenha sido eleito, uma vez que ele não desperta mais esse tipo de idolatria. E então ressurgem as insinuações de que as eleições de 2022 foram roubadas.
A razão por que Bolsonaro não venceu é simples: um voto apaixonado e um voto contrariado têm o mesmo peso, embora o comportamento de cada eleitor seja muito diferente.
O primeiro sai de casa quando o político chama, veste as suas cores, briga por ele nas redes sociais.
O segundo fica enjoado com as campanhas eleitorais e, quando não opta por anular ou votar em branco, depois de ponderar o horror das alternativas, acaba escolhendo por exclusão: vai naquele que lhe parece menos nocivo.
Foi assim nas eleições de 2022. Em quatro anos de governo, Bolsonaro alijou eleitores em excesso nesse grupo que não vota por entusiasmo. Isso permitiu a Lula conquistar a Presidência pela pequena margem que se verificou.
Sim, Lula deixou de ser o grande líder de massas de outros tempos. Felizmente, ele já não desperta o mesmo frenesi. É maravilhoso que seja assim. Um a menos.
Nem por isso, contudo, Lula deixou de ser uma força eleitoral notável. Se o seu governo atual continuar murcho até o final, pode ser que até isso se perca. Mas não há como saber antecipadamente.
É crucial que o bolsonarismo entenda esse mecanismo elementar das democracias. A conquista do governo sempre vai depender de cativar simpatizantes fora da bolha dos apaixonados.
Bolsonaro está no centro do grande fenômeno de massas do Brasil atual. Mas num país continental, com profundas diferenças sociais e grande diversidade regional, isso não se traduz automaticamente em vitória nas urnas.
Não repito essas obviedades para ensinar o bolsonarismo a ganhar eleições, mas para que deixe de cometer o erro crasso que é confundir a intensidade das emoções que um político provoca com sua viabilidade eleitoral – ou com a viabilidade daqueles que ele apoia.
Quando esse erro se traduz na crença de que a democracia precisa ser “consertada” à força, como continua acontecendo no bolsonarismo, isso deixa de ser um problema de torcedores frustrados para ser um problema para o país todo.
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