A greve provou que o governador está certo —só o privatizado funciona
Será que a paralisação ainda é uma estratégia eficiente como já foi para os trabalhadores dos transportes? O ocorrido em São Paulo mostra que não...
Será que a paralisação ainda é uma estratégia eficiente como já foi para os trabalhadores dos transportes? O ocorrido em São Paulo mostra que não. Há quem se beneficie com uma greve em que o povo dá razão ao empregador; certamente não são os empregados.
Durante muitas décadas, foi quase irresistível o poder da paralisação dos trabalhadores de transportes públicos coletivos. Quando paravam, colocavam o governador ou prefeito na parede. Não havia alternativas para a população, era o caos.
Se os metroviários do serviço público paravam, não havia metrô. O mesmo vale para os trens. A Justiça estabelece sempre um mínimo de atendimento para evitar o caos e nem sempre isso é cumprido. Então o Judiciário aplica uma multa monumental que jamais será paga.
As alternativas de transporte eram metrô, trem e ônibus, todos administrados pelo poder público e com sindicatos fortes. Fora eles, havia táxis e carros particulares, destinados à minoria mais rica. Isso significa que o poder de fogo da paralisação era mortal. Rapidamente o povo se voltaria contra a autoridade caso a greve persistisse.
Ocorre que o mundo mudou. Surgiram os aplicativos de transporte, bem mais acessíveis que os táxis. As vans se consolidaram como transporte legalizado. Trechos do metrô e dos trens foram concedidos à iniciativa privada.
Hoje, se os metroviários dizem que vão parar o metrô, eles não conseguem nem fazer isso. Não é mais possível parar o metrô todo. O que o sindicato propôs e a categoria decidiu efetivamente foi parar a parte não privatizada do metrô. A privatizada continuou funcionando. O mesmo vale para a CPTM.
É um movimento com impacto popular muito diferente do caos causado por paralisações totais. Nessas, emerge a raiva latente que todo mundo tem contra os políticos, já que a situação fica insustentável.
Ontem foi algo bem diferente. Um problemaço na vida de muita gente, mas diferente do caos das greves em décadas atrás. Daí vem o governador e diz o óbvio: o privatizado está funcionando. E estava. O trabalhador que usou o privatizado viu que estava funcionando.
Um trem da linha privatizada da CPTM quebrou e isso virou um trunfo na mão da esquerda festiva, que só pega trem na Europa. “O único que quebrou foi o privatizado”, bradam. Quem usa trem morre de dar risada. Aliás, não precisa nem usar trem. Quem ouve rádio morre de dar risada.
Difícil um único dia em que as rádios de São Paulo não anunciem a lista de linhas da CPTM com falhas de operação. Aliás, tem apresentador que comemora os dias em que todas estão funcionando.
A tentativa de dizer que a privatizada funciona menos que a não privatizada beira o ridículo. Basta comparar a linha amarela do metrô com a vermelha.
Existe uma percepção de qualidade muito maior nas linhas privatizadas, até porque o contrato de concessão exige a manutenção desse nível de qualidade. Periodicamente, é preciso entregar pesquisas feitas por institutos de primeiro nível.
No frigir dos ovos, teve quem levou vantagem na greve. Guilherme Boulos, ligado aos sindicatos que fizeram a paralisação, foi um deles. Apareceu nacionalmente no debate da privatização. Conseguiu rivalizar na opinião pública com o governador de São Paulo. Golaço para quem pretende ser candidato a prefeito.
Politicamente também foi bom para o governador. Ele é de um campo que defende privatizações. Para o cidadão, é um tema espinhoso. Agora, ele reforça o próprio ponto de vista. Era uma afirmação simples: o que está privatizado funciona. Os sindicatos foram lá e desenharam isso para o povo.
Os políticos e os sindicalistas saíram ganhando. O povo, como sempre, saiu perdendo. Quem saiu perdendo mais foram os trabalhadores da categoria. O mundo do trabalho mudou, foi uberizado. O pleito deles não é recebido pelo povo como já foi, é visto como privilégio. Para coroar, o sindicato corrobora o ponto de vista do governador. É preciso escolher bem em quem confiar.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)