Marco temporal é a única solução que concilia preservação e desenvolvimento
Desde que a demarcação da Terra Indígena Raposa Terra do Sol foi sacramentada pelo STF, em 2009, os povos da região desenvolveram o que eles mesmos consideram uma “gestão modelo”...
Desde que a demarcação da Terra Indígena Raposa Terra do Sol foi sacramentada pelo STF, em 2009, os povos da região desenvolveram o que eles mesmos consideram uma “gestão modelo”. A criação de planos de cuidado ambiental, o crescimento da agricultura familiar orgânica e a formação contínua de agentes indígenas de saúde e saneamento são algumas das conquistas comemoradas. Um balanço dos dez anos da demarcação, divulgado em 2019 por lideranças indígenas, afirma que ela “resultou na diminuição visível dos conflitos diretos e indiretos sobre a terra”. Os riscos de invasão não se extinguiram: em 2022, grupos de garimpeiros se instalaram clandestinamente em partes do território. Mas os próprios indígenas hoje têm autoridade para fazer vigilância. Os avanços são inegáveis.
O caso da Terra Indígena Raposa Terra do Sol, que já foi uma das mais conflagradas do Brasil, ilustra os ganhos trazidos pela segurança jurídica, ou seja, pela eliminação de conflitos com base em regras que são claras para todos. Quem hoje milita para impedir que o marco temporal para a demarcação de territórios indígenas seja aprovado no Congresso, ou reconhecido definitivamente pelo STF, insiste em desprezar este fato: não existe grupo ou atividade humana capaz de prosperar em circunstâncias de absoluta incerteza.
Isso vale para os indígenas, assim como para quem vive e trabalha na vizinhança desses povos. Negar o marco temporal significa manter sob insegurança perpétua qualquer atividade ligada ao solo no Brasil, ainda que absolutamente legítima. Significa também prolongar ciclos de confronto e violência, enquanto discussões sobre utilização de boa fé ou “posse imemorial” da terra se arrastam na Justiça. Isso não interessa aos indígenas, não interessa aos produtores rurais, não interessa a quem poderia explorar o subsolo seguindo critérios modernos de proteção ambiental. Só lucram aqueles que transformaram em negócio a militância anti-marco temporal – bem como grileiros, garimpeiros ilegais e falsos índios que prosperam onde não há ordem.
O PL 490/2007, aprovado pela Câmara dos Deputados em meados de maio, incorpora os parâmetros para homologação de territórios indígenas utilizados pelo STF no caso Raposa Terra do Sol. Essa lógica foi desenhada pelo então ministro Carlos Ayres Britto, insuspeito de simpatias conservadoras, mas que compreendeu que as questões indígenas não podem ser exceção às regras criadas pela Constituição. Relator da ação em 2009, ele escreveu: “Nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) como insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, ‘dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam’. Terras que tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas que venham a ocupar. Tampouco as terras já ocupadas em outras épocas.”
Agora que o PL 490 andou no Congresso, seguindo um caminho aberto pelo próprio STF, o ideal seria que a corte deixasse aos parlamentares a tarefa de lidar com o tema da demarcação de terras indígenas. No Senado, é fundamental preservar núcleo do projeto – o conceito do marco temporal –, seja quais forem as mudanças que venham a acontecer no texto. Além de irretocável do ponto de vista jurídico, essa é a única solução capaz de conciliar os objetivos de preservar a cultura dos povos indígenas, preservar a natureza e promover o desenvolvimento econômico já no curto prazo.
Por Carlos Graieb
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