Paulo Roberto de Almeida na Crusoé: “Se quiser falar com o Sul Global, telefono para quem?”
Meio século atrás, quando o grande nome da diplomacia americana e mundial Henry Kissinger – o Mister K – pontificava sobre Vietnã, China, Oriente Médio e Chile, havia uma preocupação entre as grandes potências ocidentais (já organizadas no G7)...
Meio século atrás, quando o grande nome da diplomacia americana e mundial Henry Kissinger – o Mister K – pontificava sobre Vietnã, China, Oriente Médio e Chile, havia uma preocupação entre as grandes potências ocidentais (já organizadas no G7), sobre como efetuar a coordenação entre elas para assuntos não exclusivamente econômicos. Nessa época, a Europa enfrentava uma longa fase de “euroesclerose” e Kissinger exercia a chamada “shuttle diplomacy”, fazendo viagens rápidas entre duas ou mais capitais para extinguir alguma fogueira preocupante. Kissinger não sabia como mobilizar os principais líderes europeus para associá-los a uma ou outra de suas missões “pacificadoras” (ou guerreiras, segundo os casos). Indagado por que empreendia sozinho todas aquelas missões desafiadoras para qualquer diplomata experiente, ele costumava dizer: “Se eu quiser falar com a Europa, eu telefono para quem?”.
De fato, a Europa ocidental – tanto a então Comunidade Europeia, quanto outros países membros da Otan – não possuía um representante definido para negociações diplomáticas complexas, pois as instâncias comunitárias ainda não tinham evoluído no plano institucional para designar os equivalentes dos “presidentes”, “porta-vozes” ou “chanceleres” dos Estados nacionais. Ela fez progressos, desde então, e já consegue falar de uma voz única (ou quase), como no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Hoje, o secretário de Estado, ou qualquer outro chanceler “externo”, sabe a quem telefonar quando quiser falar com a Europa, ou com qualquer outra potência ou Estado membro da ONU.
Essa mesma preocupação da velha raposa que era o Kissinger dos anos 1970 se manifesta atualmente quando alguém (geralmente um acadêmico, ou político) fala desse tal de “Sul Global”. Essa entidade diáfana e praticamente fantasmagórica existe, apenas não tem personalidade ou representante definidos. O chamado Sul Global, no entanto, não é novo, aliás, é eterno, existindo em todas as épocas, geralmente no hemisfério sul, como fica geograficamente evidente pela própria designação. Essa configuração bonita e pretensiosa – quando se fala de um “Sul Global” dá a impressão de algo grandioso e muito relevante – já existiu sob a forma de colônias europeias, depois de “países subdesenvolvidos” ou, numa reencarnação mais simpática, “em desenvolvimento”, alguns deles ascendendo como “economias emergentes” (os tigres asiáticos, por exemplo), ou, os mais infelizes, sendo rebaixados à categoria de “menos desenvolvidos” (isto é, os “super pobres”), com muito poucas variações no que se refere à divisão entre todos eles e os “países desenvolvidos”, antigas metrópoles coloniais ou “potências hegemônicas”, isto é, imperialistas, por definição.
Nada disso…
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