O relatório e a narrativa
Só consegui ler agora o relatório do interventor-jornalista Ricardo Cappelli sobre os atos golpistas, ops, quero dizer, sobre as manifestações do 8 de janeiro...
Só consegui ler agora o relatório do interventor-jornalista Ricardo Cappelli sobre os atos golpistas, ops, quero dizer, sobre as manifestações do 8 de janeiro. Não, não estou relativizando a invasão bolsonarista à sede dos Três Poderes, mas apenas usando a mesma linguagem de Cappelli, que, para minha absoluta surpresa, não citou as palavras golpe ou terrorismo e suas derivações uma única vez ao longo do documento de 62 páginas.
Ou seja, há o Capelli político, do Twitter e das entrevistas, e o Capelli técnico, dos autos.
Enquanto o primeiro sustenta publicamente a narrativa da frente de esquerda que pretende usar o vandalismo do 8 de janeiro para criminalizar qualquer oposição, o segundo respeita o ‘in dubio pro reo’ e age de forma cautelosa na missão de “analisar e esclarecer as ações de segurança pública antes, durante e após a eclosão dos atos de vandalismo e de ataques à democracia”.
A propósito, a expressão “ataques à democracia” é usada com bastante parcimônia e apenas 5 vezes, uma lição à histeria da imprensa festiva.
Capelli se refere às ações de perturbação da ordem pública do dia 8 como “ações de perturbação da ordem pública”, relata a depredação e diz que o “acampamento” na Praça dos Cristais, em frente ao QG do Exército, era um “acampamento” e que os “manifestantes” lá acampados eram “manifestantes”, alguns deles “vândalos”.
“Haviam estruturas montadas para apoio de refeições e carro de som para disseminação de informações e coordenação dos manifestantes, evidenciando que o acampamento, desde sua instalação, foi elemento crucial para o desenvolvimento das ações de perturbação da ordem pública que culminaram nos atos do dia 8 de janeiro de 2023”, escreve o Capelli técnico.
O interventor-jornalista chega a reproduzir trecho de um inconclusivo relatório de inteligência da Secretaria de Segurança Pública, entregue ao gabinete de Anderson Torres no dia 6, sobre mensagens publicadas por bolsonaristas nas redes sociais que falavam em “tomada do poder” com invasão do Congresso.
Capelli, por sua vez, fala apenas em “potencial lesivo da manifestação” e descreve os materiais carregados pelos manifestantes: “Foram identificadas pessoas portando rojões, gás de pimenta, pedras, estilingue e outros objetos.”
Por fim, relaciona várias ocorrências ligadas ao acampamento instalado na Praça dos Cristais, como hostilização da imprensa, de policiais e outros agentes públicos, pichações em prédios da Esplanada, posse de rádios de transmissão, bolas de gudes e arma branca (faca). E só.
Com razão, conclui que, a despeito das informações existentes, o quantitativo de militares dispostos no terreno foi insuficiente para conter o acesso dos manifestantes, permitindo que rompessem o dispositivo de segurança e entrassem com materiais proibidos na Esplanada e na linha de contenção na Avenida das Bandeiras — como todos vimos, diga-se.
“Não foi identificado um documento que demonstre a determinação prévia do número exato de policiais militares empregados na área.” Ou seja, a falta de planejamento para lidar com centenas de manifestantes, vários predispostos à violência, contribuiu para que a manifestação desbordasse para atos de depredação e vandalismo como nunca se viu.
Isso é o que está no relatório, não no Twitter ou na mídia.
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