O desafio de reduzir os juros no Brasil
Por Rafaela Vitória* A inflação acima da meta e a política monetária em território bastante restritivo vêm gerando discussões sobre o atual patamar de juros e seu impacto na economia. Apesar de seguir a cartilha do regime de metas para a inflação, que inclusive já mostra resultado na desaceleração do IPCA, o novo governo voltou a debater questões como a revisão da meta e até mesmo a independência do Banco Central...
Por Rafaela Vitória*
A inflação acima da meta e a política monetária em território bastante restritivo vêm gerando discussões sobre o atual patamar de juros e seu impacto na economia. Apesar de seguir a cartilha do regime de metas para a inflação, que inclusive já mostra resultado na desaceleração do IPCA, o novo governo voltou a debater questões como a revisão da meta e até mesmo a independência do Banco Central (foto), como opções para manter a expansão fiscal e ao mesmo tempo reduzir os juros. Por que o cenário de juros elevados ainda não é suficiente para ancorar as expectativas?
A inflação encerrou 2022 em 5,79% e ficou acima do teto da meta, que era de 5%, pelo segundo ano consecutivo. Diferentemente de 2021, quando o IPCA havia sido de 10% devido a choques de oferta da pandemia, em 2022 a inércia inflacionária foi o principal fator para o desvio. Mas uma diferença importante na direção favorável foi a herança da política monetária, que havia sido estimulativa até o começo de 2021, mas que foi revertida, culminando na Selic de 13,75% em meados de 2022. Segundo o Banco Central, em carta enviada ao Ministério da Fazenda justificando o descumprimento da meta em 2022, “o aumento da taxa de juros real ex-ante neste ciclo é o maior ocorrido durante o regime de metas para a inflação”. O Brasil tem hoje a maior taxa do mundo —quase 8% de juros reais descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses— e, ainda assim, corremos o risco de ter o terceiro ano de inflação acima do teto da meta.
O principal risco para a inflação no curto e médio prazo é a expansão fiscal, que traz de volta o desequilíbrio das contas públicas e aumenta a incerteza sobre a trajetória da já elevada dívida do país. O aumento de gastos em 2023 pode chegar a 5% em termos reais, com foco em transferências e aumento de benefícios que podem estimular a demanda e pressionar serviços e salários, considerando a baixa ociosidade do mercado de trabalho, com taxa de desemprego de 8%. Na ausência de uma âncora fiscal, as expectativas de inflação ficam desancoradas e, sem a credibilidade da autoridade monetária, não importa a meta. A opção de elevar a meta para 4% para permitir a queda mais rápida da Selic é equivocada, pois as expectativas continuariam subindo sem a coordenação entre as políticas fiscal e monetária. Os juros de mercado, atrelados aos títulos do tesouro indexados ao IPCA, refletem esse maior prêmio de juros, além de indicar que a expectativa de inflação para os próximos anos está bem mais alta, mais próxima de 6%.
No Brasil, a resposta do mercado para grandes crises em boa parte passa pela elevação dos juros. Para o investidor que financia o déficit público —que em 2023 deve ultrapassar 8% do PIB, incluindo os juros—, a maior aversão ao risco deve ser compensada com juros altos. No longo prazo, o custo da dívida não só dificulta o ajuste fiscal, mas também impede o crescimento do setor privado, encarecendo investimentos e reduzindo o acesso das famílias ao crédito.
Mas nem sempre os juros foram elevados e a inflação acima da meta no Brasil. Entre 2017 e 2020, tivemos o período de menores taxas na nossa história, e o juro neutro chegou a ser estimado em 2,5% —resultado da redução do risco-país a partir de reformas que se iniciaram em 2016. A Selic média no período foi 6,40%, e a inflação ficou abaixo do centro da meta na maior parte do tempo, na média em 3,5%. O teto de gastos como âncora fiscal, seguido da reforma da Previdência em 2019, permitiu uma gradual redução do déficit primário e melhor previsibilidade da trajetória da dívida/PIB. No entanto, com a pandemia em 2020, os gastos extraordinários com a transferência e as consecutivas PECs que permitiram o crescimento real das despesas do governo trouxeram de volta a incerteza sobre o equilíbrio das contas públicas, e os juros reais de mercado voltaram a subir para acima de 6%.
O cenário atual de maior aversão a risco e incerteza com relação ao equilíbrio fiscal, ainda sem uma nova âncora definida, se reflete também na expectativa mais lenta de queda da inflação. Essa desancoragem das expectativas é hoje o principal entrave para o início do afrouxamento monetário pelo Banco Central. De fato, com inflação ainda acima da meta, caso o governo insista na política fiscal mais expansionista, não haverá espaço para a redução da Selic nos próximos meses. Teremos, na prática, uma política neutralizando a outra. A expansão fiscal não gera crescimento, mas a contração monetária não reduz eficazmente a inflação.
A queda da inflação em 2022 foi positiva, mas está incompleta. Membros do governo fazendo críticas às reações do mercado aos anúncios de mais gastos, políticas intervencionistas e parafiscais e questionamentos sobre o regime de metas ou a independência do BC mostram um equívoco sobre a real causa do problema dos juros elevados no Brasil, que ainda carrega uma dívida de 74% do PIB. Sim, o custo da política monetária mais restritiva por mais tempo impacta toda a sociedade, desincentivando investimentos e consequentemente a geração de emprego e renda. Mas o custo poderá ser menor para toda a economia caso as políticas monetária e fiscal forem coordenadas nesse momento. Com previsibilidade para o equilíbrio das contas públicas, o afrouxamento da política monetária seria muito mais célere, contribuindo ciclicamente para um ajuste fiscal também mais rápido. Não devemos nos contentar em ser o país da maior taxa de juros no mundo, mas não é hora de repetir erros passados.
* Rafaela Vitória é economista-chefe do Banco Inter.
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