Bolsonarismo: uma doença messiânica que envergonha a direita Bolsonarismo: uma doença messiânica que envergonha a direita
O Antagonista

Bolsonarismo: uma doença messiânica que envergonha a direita

avatar
Marcos Joaquim G Alves
7 minutos de leitura 10.01.2023 22:36 comentários
Opinião

Bolsonarismo: uma doença messiânica que envergonha a direita

Não suportamos o pensamento discordante. Não gostamos do contraditório. A oposição de ideias causa desconforto no fundo da nossa alma. O sangue corre mais rápido, o coração bate mais depressa e a pupila dilata. A temperatura do corpo sobe, sentimos náusea e nos afastamos de quem trouxe o pensamento diferente...

avatar
Marcos Joaquim G Alves
7 minutos de leitura 10.01.2023 22:36 comentários 0
Bolsonarismo: uma doença messiânica que envergonha a direita
Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Não suportamos o pensamento discordante. Não gostamos do contraditório. A oposição de ideias causa desconforto no fundo da nossa alma. O sangue corre mais rápido, o coração bate mais depressa e a pupila dilata. A temperatura do corpo sobe, sentimos náusea e nos afastamos de quem trouxe o pensamento diferente. O sentimento é de repulsa por aquela pessoa. Passamos a não gostar dela. O nosso egocentrismo narcisista nos distancia de sermos confrontados por pensamentos diferentes. 

O mundo dividido, gravemente, por divergência de ideias é insustentável para a evolução humana. Os pensamentos de José Saramago sempre me incomodaram sobre o papel da religião na divisão do nosso mundo: as religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos, e sim, para dividir (…) o mundo seria mais pacífico se todos fôssemos ateus.  (As Palavras de Saramago, Cia das Letras, 2010).

Saramago pode estar certo, em parte. Explico. Os dogmas de uma religião são estabelecidos com base em um sistema de princípios, de ideias que não podem ser questionadas. Esses princípios não aceitam o contraditório (a origem do mundo, a existência de Deus, a Imaculada Conceição). Não há pensamentos diferentes para os dogmas: eles têm unicidade, verdades absolutas e inquestionáveis, são imutáveis, irrevogáveis e definitivos (Hebreus 13,8).

No último dia do ano de 2022, Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI, morreu e deixou um legado de “Opera Omnia” (Obras Completas) de 21 volumes. Quando Prefeito da Congregação pela Doutrina da Fé, o então Cardeal Ratzinger estabeleceu intensos debates contra a Teologia da Libertação, dos padres Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff. Essa teoria defendia o repensar sobre os dogmas para aproximar igreja e política com o objetivo de resolver o problema da injustiça social. Porém, não há debate sobre os dogmas, já que não existe espaço para o contraditório. E mais, não se pode confundir a vida material da política com a vida espiritual da religião. Por isso, os padres foram condenados por intermédio da Instrução aprovada em reunião ordinária da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé aos 06 de agosto de 1984.  

Dessa maneira, o Papa Bento XVI deixou uma lição histórica para a humanidade, de que não há espaço para o debate sobre os dogmas que fundam uma religião. Portanto, como envolver a religião no discurso político? Haja vista que a essência do discurso político é o debate entre pensamentos diferentes, o contraditório dos plurais em busca da decisão do possível. Como envolver religião e política? Não se envolve. Não se pode e não se deve envolver. Só oportunistas confundem o mundo material e o espiritual. Tudo pelo poder.

Nos últimos anos, vimos um homem, Jair Messias Bolsonaro, e seus aliados, pseudos defensores do ideário de direita, escolherem o caminho mais fácil para chegar ao poder de um país: o da religião. São impostores, oportunistas. Quando o pensamento religioso dogmático, que não admite o contraditório (essência da política), é inserido em um discurso político, o resultado é a construção de uma divisão na sociedade que passa a definir a luta pelo poder político entre o bem e o mal, entre Deus e o diabo. 

O discurso fácil, emotivo, religioso dogmático, que não admite a existência de pensamentos diferentes, leva parte da sociedade, composta por pessoas de bem, a cenas deprimentes de histeria coletiva e ruptura do tecido social, como presenciamos no último domingo (a depredação da Capital Federal do Brasil aos 08 de janeiro de 2023). O mundo já viveu isso.

Não faz muito tempo, vimos uma sociedade apaixonada seguir um líder com o símbolo de uma cruz de 5 mil anos atrás, símbolo esse que pertenceu a várias culturas e religiões, dos celtas aos budistas. Sob o manto dessa cruz milenar, assistimos a tal sociedade apaixonada ser enganada por métodos de psicologia comunicacional invasiva de religiosidade dogmática: o bem contra o mal, Deus e o diabo, a luta contra os vermelhos e contra o comunismo, a defesa dos escolhidos pela raça, a salvação de Deus, e, literalmente, Deutschland über alles, expressão que ainda consta na primeira estrofe do hino alemão, mas difícil de cantar, por vergonha de um tempo que “Alemanha acima de tudo” era o principal slogan nazista. 

E tudo isso para qual objetivo? A ideia era justamente que o discurso messiânico de um Fuhrer oportunista capturasse a mente, alma e espírito de uma sociedade de boa-fé que hoje sente vergonha desse passado que jamais pode ser esquecido, mas sim evitado.

No nosso país, nos tempos de hoje, aqueles que se autodenominam de direita andaram mal. Fizeram um desserviço ao país quando apoiaram e aceitaram os impostores e oportunistas do bolsonarismo a trazer a religião para o discurso político. Vergonhosamente, trocaram o alto nível dos debates de conceitos e ideias entre a direita e a esquerda, pelo pobre e demagógico discurso do medo messiânico, do bem contra o mal. Abandonaram a história de grandes nomes do liberalismo de direita que construíram reputações sólidas na política e nunca se escusaram de debater seus pensamentos com grandes quadros da esquerda. Os mais antigos lembrarão do célebre debate entre Roberto Campos e Luís Carlos Prestes sobre Capitalismo e Socialismo, transmitido pela TVE, em 1985. 

Os bons pensadores da direita precisam urgentemente recuperar o protagonismo, parar e refletir sobre tudo o que aconteceu e repensar o caminho, sem religião, sem discursos, enganosamente, emotivos messiânicos. Os verdadeiros líderes políticos, homens públicos, estadistas da direita não podem e não devem se restringir apenas a ganhar uma eleição a qualquer preço, apropriando-se da religião para um projeto de poder. É urgente a reconstrução de uma Nação plural, de direita e esquerda, com diálogo, com respeito, sob valores e princípios, justa e, principalmente, laica, de todas as cores, raças, credos, culturas e religiões. 

O legado messiânico do bolsonarimo é uma doença que envergonha a história da nossa direita. Constrange, ameaça e agride pessoas, leva uma sociedade de bem à cegueira coletiva de um “messias” que salvará o Brasil do diabo, do comunismo, quando, na verdade, tais fariseus, impostores, bolsonaristas, querem a manutenção de um poder autocrático. 

Sendo governo constituído ou não, a direita é responsável por um país de paz, de descendentes de índios, europeus e africanos, de orientais, uma pátria mãe que acolhe em harmonia judeus e árabes, sem conflitos históricos religiosos, uma nação de imigrantes, nativos e refugiados; um país de um povo e de todos os povos ao mesmo tempo, que acolhe o contraditório, o diferente, a diversidade, sob o manto principiológico do respeito. Somos uma única pátria Brasil. Uma pátria universal. E não uma pátria de doentes bolsonaristas. 

Marcos Joaquim G Alves é advogado e professor, fundador do Instituto SHE

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

De que lado está Tarcísio?

Visualizar notícia
2

Isolamento de Mourão livra ex-vice de vínculo ao golpe

Visualizar notícia
3

Haddad define valor do pacote de corte de gastos

Visualizar notícia
4

"Quanto custa?”, pergunta Musk sobre a emissora MSNBC

Visualizar notícia
5

MP do TCU pede bloqueio de R$ 56 mi de indiciados por tentativa de golpe

Visualizar notícia
6

O que você acha dos alunos que gravam professores em sala de aula?

Visualizar notícia
7

Gisele Bündchen reflete sobre o terceiro filho

Visualizar notícia
8

Crusoé: A preocupação de Merkel com Musk no governo Trump

Visualizar notícia
9

Crusoé: O histórico de Eduardo Paes na Lava Jato

Visualizar notícia
10

Bolsonaro buscou apoio, mas não conseguiu

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Gisele Bündchen reflete sobre o terceiro filho

Visualizar notícia
2

O comentário de Tarcísio sobre o indiciamento de Bolsonaro

Visualizar notícia
3

A reação de Netanyahu ao mandado de prisão

Visualizar notícia
4

A treta entre Paes, Bretas e Moro

Visualizar notícia
5

MP do TCU pede bloqueio de R$ 56 mi de indiciados por tentativa de golpe

Visualizar notícia
6

Bolsonaro buscou apoio, mas não conseguiu

Visualizar notícia
7

Virginia e Zé Felipe compartilham decorações de Natal

Visualizar notícia
8

"Quanto custa?”, pergunta Musk sobre a emissora MSNBC

Visualizar notícia
9

Crusoé: A preocupação de Merkel com Musk no governo Trump

Visualizar notícia
10

Isolamento de Mourão livra ex-vice de vínculo ao golpe

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Ataque aos três poderes barbárie bolsonarismo direita Invasão bolsonarista
< Notícia Anterior

Jovem Pan afasta Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo

10.01.2023 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Janones agora quer derrubar Múcio?

10.01.2023 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Marcos Joaquim G Alves

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

O que você acha dos alunos que gravam professores em sala de aula?

O que você acha dos alunos que gravam professores em sala de aula?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Relação do Brasil com a China de Xi Jinping alcança um novo patamar

Relação do Brasil com a China de Xi Jinping alcança um novo patamar

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Janja se junta a Felipe Neto para xingar Elon Musk: passou dos limites?

Janja se junta a Felipe Neto para xingar Elon Musk: passou dos limites?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.