Pelé e Nelson, dois gênios do Brasil
Em 1958, eu tinha sete anos de idade e presenciei uma cena assustadora. Meu pai, Anchieta Pinto, um homem severo e honesto, partiu ao meio o receptor de rádio com uma machadada...
Em 1958, eu tinha sete anos de idade e presenciei uma cena assustadora. Meu pai, Anchieta Pinto, um homem severo e honesto, partiu ao meio o receptor de rádio com uma machadada quando a Suécia abriu o placar no jogo final da Copa do Mundo da Fifa, em Estocolmo. Assim, a família inteira teve de se valer de informações dos vizinhos que acompanharam toda a partida, para saber o resultado final de 5 a 2 para o Brasil. Que ali conquistou o primeiro dos cinco títulos mundiais de futebol, o que torna nosso selecionado o primeiro colocado no ranking das Copas. O placar foi encerrado com um magistral golpe de cabeça de um rapazola de 17 anos, que ali se tornaria o atleta do século 20. Embora o jogador consagrado como melhor do torneio tenha sido Valdir Pereira, Didi, meia armador, inventor da folha seca, um chute capcioso que enganava os goleiros adversários, desviando-lhes da bola das mãos.
Em 1962, Didi ainda jogava quando Pele contundiu-se num jogo contra o México, tendo de abandonar a disputa que ficou a cargo de Mané Garrincha, o mago das pernas tortas. Eu tinha 11 anos e no primeiro ano de internato no Instituto Redentorista Santos Anjos, em Campina Grande, não tinha como acompanhar em tempo real jogos nos quais a seleção dita canarinha se consagraria bicampeã com ajuda do árbitro, que deixou de marcar um pênalti contra os campeões mundiais a favor da Espanha. E cujos cartolas raptaram o apitador do jogo
semifinal contra o Chile, no qual o melhor jogador do torneio foi expulso após falha disciplinar infantil.
Em 1966, viajava do sertão para a Borborema no caminhão do meu primo Neinho quando as cidades do caminho se cobriam de luto na desclassificação dos bicampeões do mundo nos primeiros jogos. Anos depois pude acompanhar pelo YouTube o banho de bola e a pancadaria brutal do brilhante time português, dos quais o rei do futebol foi a maior vítima da violência e da impunidade, para as quais a Fifa até hoje fecha os olhos de forma vergonhosa.
Em 1970, com 30 anos, no auge de sua esplendorosa forma física, o goleador do Santos calou
os críticos que o consideravam inapto para a prática do violento esporte bretão. No México, Pelé
confirmou definitivamente a profecia certeira do genial autor de Vestido de Noiva nos palcos numa crônica, que o Estadão acaba de republicar. Neste coroou rei o mineiro de Três Corações, filho de Dondinho e Dona Celeste, majestosa centenária que acaba de perder seu filho, com coroa e cetro.
“Verdadeiro garoto, meu personagem, anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, Não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope” escreveu o filho de Mário Rodrigues e irmão de Mário Filho, homenageado com o nome do estádio em que o rei de Nelson fez de pênalti o milésimo gol no goleiro argentino Andrada, do Vasco da Gama, seu time do coração. Nelson pôs na fila os franceses em cuja seleção na semifinal de 1958, ele marcou três gols, e reivindicam a primazia que deve ser transferida ao tricampeão mundial, bi de clubes e autor de proezas e encantamentos. Estes despertaram a subliteratura de Armando Nogueira, que continua sendo citado com a frase “se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola”. A publicação pelo Estadão do texto “A Realeza de Pelé”, em 25 de março de 1958, põe junto ao túmulo real as glórias em seus devidos lugares na hora em que ele estiver se apresentando ao Altíssimo lá no mais alto.
Sua Alteza Real tem biógrafo oficial no são-paulino Benedito Ruy Barbosa, maior contador de histórias na televisão para o povo brasileiro. Autor de um livro e roteirista de um filme sobre o insigne rei morto, Benedito considera-se tricolor e pelezista. Assim como o autor deste texto contando momentos gloriosos de seu tema maior. Em 1969, eu estava no lado certo da arquibancada para ver seu gol único contra o Paraguai, que classificou o Brasil para a Copa, que ajudaria a conquistar para sempre. E também no momento de antologia que surpreendeu o
companheiro do Santos e titular da Argentina, Cejas.
Em julho de 1971, o menino Edson despediu-se da amarelinha no Maracanã com 138.575 torcedores contra a Iugoslávia, sendo substituído por Claudiomiro no intervalo, aos berros de “Fica, Pelé”. Na preliminar, os juvenis cariocas bateram a seleção brasileira júnior com gols de Zico, o melhor da partida. Faltou Nelson Rodrigues para profetizar a verdadeira troca: ele saiu e o ídolo do Flamengo subiu ao trono naquela tarde.
Nos anos 70, convidado por Augusto Marzagão, que organizou para a Televisa um encontro de
comunicação em Acapulco, vi que as maiores atenções nunca foram paras os astros que subiram ao palco, como Umberto Eco, autor de A Obra Aberta e se preparando para se tornar best seller com O Nome da Rosa, Michael Jackson, estrela pré-adolescente dos Jackson Five, e Luis Echeveria, então presidente do pais anfitrião. As multidões que o viram brilhar nos estádios do país o cercaram com amor e gratidão por seu talento e sua simpatia.
Em 1989, ouviu ao meu lado, à mesa do empresário José Carlos da Silva Júnior, Collor
prometer reduzir o ministério para 12 membros, caso ganhasse a eleição presidencial. Um ano depois, o geriatra Eduardo Gomes me convidou para comemorar seus 50 anos no restaurante III Whisky, na Bela Vista, em São Paulo.
Agora ele nos deixa órfãos de sua realeza aqui na Terra para no céu confirmar a Nelson Rodrigues, o “anjo pornográfico” de Ruy Castro, que Pelé nasceu, viveu, jogou e morreu para brilhar. Rei morto, viva o Rei para sempre.
*Jornalista, poeta e escritor
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