Cinco coisas que você deve esperar da economia brasileira em 2023
Apesar de a maior parte das fontes apontarem para Pedro Malan, não há exatamente certeza sobre a origem desta afirmação: "No Brasil, até o passado é incerto"...
Apesar de a maior parte das fontes apontarem para Pedro Malan, não há exatamente certeza sobre a origem desta afirmação: “No Brasil, até o passado é incerto”.
É provável que essa frase antológica sobre o Brasil tenha sido uma criação coletiva daqueles envolvidos na estruturação do Plano Real.
Em contexto, a grande questão na época eram as descobertas de inúmeros esqueletos existentes na economia brasileira e que não eram devidamente registrados. Dívidas do Tesouro das quais não se tinha exata noção.
E a bem da verdade, motivos para isso não faltam. Somos historicamente um país conturbado. Tivemos na nossa história 9 calotes da dívida, 11 moedas, 3 regimes ditatoriais (ditadura da espada, estado novo e regime militar), além de 13 trilhões de porcento de inflação acumulada nos 15 anos que antecederam o Real e 5 Copas do Mundo. Este último um dos poucos fatos históricos incontestes da nação.
Nosso registro de história econômico é ruim, para se generoso. Para se ter uma ideia, descobrimos em 2022 que o crescimento econômico que chamamos a décadas de “milagre econômico”, foi na verdade menor do que pensávamos. Nosso índice de inflação mal completou 4 décadas, enquanto em países como Reino Unido ou EUA há registros de séculos.
Com tudo isso, fazer “previsões”, seria uma completa insanidade por aqui. E de fato, devo admitir que é, motivo pelo qual, você não lerá previsões abaixo, mas expectativas sobre o que deve esperar da economia brasileira em 2023.
Antes de começar, porém, um conselho: o resultado final em qualquer “previsão” ou “perspectiva” importa menos do que as premissas. É importante entendermos o rumo, mais do que saber exatamente onde vamos chegar.
1) A economia deve crescer menos. Mas não é só no Brasil
Ao longo da última década, o mundo vivenciou uma experiência única na história da humanidade: o dinheiro ficou de graça. Na prática, as taxas de juros (o preço do dinheiro), se tornaram menores do que a velocidade em que o dinheiro perde valor (a inflação). Como consequência, inúmeros governos e empresas se endividaram, contando com a novidade.
Em dado momento, o FMI chegou a liberar um estudo definindo como insanidade o governo alemão manter austeridade com os juros tão baixos. O estudo chegou ao Brasil com o sugestivo título de “FMI critica o neoliberalismo”, no que nossos economistas unicampistas logo decretaram que se algo vale pra Alemanha, deve valer para o Brasil.
Contexto a parte, a situação do Brasil depende bastante do resto do mundo, mas não é inteiramente definida por ele.
O mundo enfrenta hoje uma crise energética, fruto de investimentos pesados em uma transição energética forçada. Pela primeira vez na história da humanidade decidimos migrar aquilo que nos define como civilização, o uso de energia, não com base em eficiência, mas em questões políticas (que tem sua justificativa, mas que não deve ser encarada sem discutirmos os custos).
A Europa abandonou a produção de gás, enquanto a Rússia, que não é lá um país preocupado com meio ambiente, manteve-se faturando as custas da transição europeia. Dependente de fontes instáveis, a Europa se viu em uma cilada. O fato de agora pagar a conta, portanto, não é uma novidade.
Independente de avisos e outras questões, a Europa deverá crescer menos pelas restrições de energia, juros que precisam subir para compensar a inflação em alta e famílias perdendo poder de compra.
Já os EUA, que também vivenciam alta de preço de combustíveis, viram a mais rápida elevação de juros na sua história. O resultado é que o Banco Central do país de fato parece desejar uma recessão por lá.
No Brasil, o pioneiro em subir juros, a inflação tornou-se um problema menor, em partes por maquiagem fiscais que derrubaram alíquotas de impostos disfarçando a alta nos combustíveis.
Ainda assim, temos os maiores juros do mundo hoje, em torno de 8% quando descontamos a inflação da Selic. Nos EUA, este número é de -2%.
E se juros são o preço do dinheiro, quando ele fica mais caro, os investimentos diminuem e o consumo idem. O resultado é que temos um crescimento menor contratado para o ano seguinte.
A grande dúvida neste momento, é quando conseguiremos reduzir os juros novamente. Em princípio, a expectativa é de que isso deveria rolar na metade de 2023, algo que deve ser adiado por gastos acima do previstos e mudança de rota do governo.
2) A inflação ainda será um desafio
Pão é trigo e trigo é dólar, logo dólar alto é pão mais caro. É simples assim.
Vivemos em uma economia global, onde os preços não dependem inteiramente de um único país, mas são cotados em boa parte em dólar, graças ao fato de determinados produtos serem “comuns”, ou commodities no jargão do mercado.
São produtos que você encontra na sua mesa de café da manhã, na gasolina do seu carro ou ônibus, e que direta ou indiretamente impactam sua vida.
Sem surpresa, o Brasil viveu uma enorme queda de poder de compra das famílias na medida em que o Real foi das moedas que mais se desvalorizaram no mundo de 2020 pra cá.
Nossas altas taxas de juros e o aumento de preços de commodities ajudaram a atrair dólares para cá, seja de investidores interessados em comprar títulos do governo, ou de produtos que exportamos. Em 2022, isto foi um dos fatores mais relevantes da economia, mas para 2023, ainda é uma incógnita.
Veja, o resto do mundo também está aumentando juros, logo, não seremos os únicos a ter este dispositivo para atrair investidores. Com a economia chinesa crescendo menos, a dos EUA e Europa em recessão, espera-se que as commodities que exportamos tenham queda de preço.
Dessa forma, a inflação é uma incógnita. Ela pode desandar de vez se o país não tiver confiança suficiente para manter o câmbio equilibrado, ou pode cair com commodities em baixa.
Desde o resultado das eleições em 30 de outubro, tivemos uma boa pista.
A economia americana apresentou alguns sinais de piora, o que é justamente o objetivo do Banco Central lá (com o desemprego avançando, a renda média cai, logo há menos demanda por produtos e a inflação passa a ser controlada). Isso levou o mercado a especular que os juros poderiam parar de subir nos EUA antes do esperado. Moedas de países emergentes subiram frente ao dólar. Exceto o Real.
Por aqui, a expectativa de mais gastos públicos com a PEC da transição, pressionou os juros futuros.
Os juros para 2024 saíram de 11% (abaixo portanto da SELIC de hoje, em 13,75%), e chegaram a 14%. Ou seja, o mercado está esperando uma piora.
Se os juros futuros estão em alta e a inflação cair, significa um aumento brutal no preço do dinheiro. Não parece ser o caso, de modo que o mercado hoje estima que a inflação poderá perdurar por aqui, ao menos em 2023.
3) Aumentos de impostos por governadores e pelo governo federal
Governadores já enviaram o projeto de lei orçamentária para 2023, contendo uma grande incógnita: o ICMS de combustíveis.
No RS, que conseguiu atingiu o equilíbrio das contas em 2021 (como boa parte dos estados, após uma alta de 30% na arrecadação naquele ano), a proposta de lei orçamentária considera a manutenção do ICMS de energia e combustíveis nas alíquotas menores. O resultado? De volta ao déficit.
O conselho nacional de secretários da Fazenda, Comsefaz, chegou a propor que os Estados aumentassem a alíquota de ICMS de 17 para 21,5%, de maneira a compensar a queda de arrecadação.
Combustíveis e energia são uma fonte extremamente importante de arrecadação de impostos para governadores. Em 2019 os combustíveis eram responsáveis por cerca de 10% da arrecadação. Já em 2021, chegaram a 20%.
Esse aumento de arrecadação fez qualquer governador parecer um excelente gestor, ainda mais quando consideramos que em 2020, em função da pandemia, os reajustes de salários foram congelados.
Na prática, os estados atingiram um superávit recorde, de 1,5% do PIB, ou R$126 bilhões, chegando a ter R$400 bilhões em caixa. Muitos governadores se tornaram mestres de obras e os investimentos aumentaram.
Agora, porém, a situação pode se reverter. Há pressão por reajustes, alíquotas de impostos menores e retomada de pagamento das dívidas com a União por parte de alguns estados.
O resultado é que haverá pressão por aumento de impostos.
No governo federal, a proposta de reforma tributária, quando encaminhada, deverá conter os pontos levantados por Bernard Appy, que implicam impostos maiores sobre serviços e menores sobre a indústria.
É uma boa proposta, que simplifica 5 impostos (3 federais, 1 municipal e 1 estadual, o ICMS), em 1 único imposto.
Mas sem querer encarar a mãe Dinah, e com toda certeza do mundo, posso afirmar aqui que a base do governo não dará importância pra isso, focando em outras questões tributárias.
Você verá uma defesa exaustiva de impostos mágicos, como o imposto sobre grandes fortunas, tributação de jatinho e yacht e tudo o mais que nos ajudará a perder o foco no principal.
Outra questão também bastante clara é o fato de que dividendos serão taxados. Não se sabe exatamente como, mas de Bolsonaro a Lula, a taxação de dividendos se tornou um consenso na campanha.
4) Um cabo de guerra entre o governo e o Banco Central
A expectativa de que o Banco Central reduziria os juros em 2023 de forma significativa já foi pelos ares. A grande dúvida que irá pairar sobre o cenário do próximo ano é: como Roberto Campos Neto irá lidar com um governo petista?
O Banco Central tornou-se independente na lei, com o seu presidente e diretoria tendo um mandato distinto do governo.
RCN irá continuar no cargo até o final de 2023, com ele próprio e o Copom, o Conselho de Política Monetária, tendo de sustentar uma batalha entre a política monetária e a política fiscal.
O governo federal espera gastar mais e dar aumento real ao salário mínimo. Já o Banco Central considera que se o governo gastar demais e as empresas e famílias também, será difícil conter a inflação.
Por isso mesmo a alternativa a mais gastos públicos é conter os gastos de famílias e investimentos de empresas. Isso é feito elevando, ou mantendo altos, os juros.
Essa batalha não é lá nenhuma novidade. Em 2005, diante do Mensalão, o governo Lula esperava benevolência do Banco Central. Ministros como Mantega diziam que o Bacen devia reduzir os juros, permitindo maior crescimento e assim ajudando nas eleições.
Na época, Henrique Meirelles chegou a colocar seu cargo a disposição caso não tivesse autonomia. Lula cedeu e os juros seguiram seu caminho, caindo de forma lenta.
Sob Dilma, houve uma queda forçada de juros, colaborando para uma inflação mais alta.
Mas RCN não é Henrique Meirelles, Lula não é o mesmo e o Brasil não está em 2005, de modo que essa batalha ainda é uma incógnita.
5) Mudança de rumo nas estatais
Negociar uma PEC de transição para permitir gastos maiores já foi um desafio e tanto para o governo federal.
O Congresso tentou puxar o valor para baixo, mas acabou negociando um quinhão do orçamento.
E isso é algo que tende cada vez mais a continuar. A capacidade de investimentos do governo federal está limitada. Sua capacidade de endividamento também. Só há uma área onde o dinheiro é abundante: as estatais.
Um estudo do Citibank aponta que apenas o BNDES poderia aumentar em 18% o total de crédito na economia, isto porque o banco tem hoje 28% de reserva de capital, podendo chegar a 9% e ainda cumprir os requisitos de segurança dispostos no acordo de Basileia, que regem o setor bancário.
Somados, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, poderiam agregar R$2 trilhões em crédito novo, aponta outro estudo do Itaú.
As estatais foram saneada no período de 2016 a 2022 e agora respondem por uma fonte relevante de recursos. Apenas a Petrobras possui capacidade de investimentos 6 vezes maior que o governo federal.
Outra boa notícia para o governo petista é que a dívida de Itaipu terminará em 2023, o que significa dizer que a estatal terá US$2 bilhões livres por ano. Este dinheiro poderá ser investido, seguindo o modelo da usina de 3 gargantas na China, que tornou-se dona de inúmeras empresas e usinas no mundo, incluindo o Brasil, ou poderá ser revertido em uma conta de energia mais barata por aqui. A escolha é do governo.
Bônus: Investir no exterior será uma tendência sem volta para os brasileiros.
Foi em Maio de 2008 que o Ibovespa atingiu sua maior cotação na história. Cerca de 45 mil pontos em dolar. No dia de hoje, o Ibov é cotado a cerca de 18 mil pontos.
O Brasil perdeu o bonde do dinheiro grátis mergulhando em uma recessão de fabricação inteiramente nacional na última década, mas muitos investidores não.
Investir no exterior, ter uma conta em dólar, comprar criptoativos, tornou-se comum por aqui.
É uma tendência relevante de 2023, mas que você deve ficar de olho por apresentar desafios tributários e um elemento novo: o câmbio.
As bolsas no mundo estão em queda, não muito diferente daqui, o que exigirá cautela redobrada para evitar surpresas.
A única questão que não deve ser surpresa, porém, é uma busca por entendimento sobre proteção cambial. Seja por questões políticas ou meramente econômicas, é uma boa pedida para 2023.
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