Apontar o dedo virou esporte nacional Apontar o dedo virou esporte nacional
O Antagonista

Apontar o dedo virou esporte nacional

avatar
Rodolfo Borges
4 minutos de leitura 03.12.2022 11:00 comentários
Opinião

Apontar o dedo virou esporte nacional

Apontar o dedo virou esporte nacional. Os eleitores de Jair Bolsonaro são responsáveis por destruir a Amazônia e por colocar a democracia brasileira em risco, enquanto quem votou em Lula reabriu as portas do erário para a corrupção e ameaça quebrar a economia. Ninguém vota em candidato nenhum pelos motivos errados, mas, se for para jogar esse jogo, todo mundo tem de ser responsável por tudo. Todo brasileiro tem de se sentir responsável pelo país...

avatar
Rodolfo Borges
4 minutos de leitura 03.12.2022 11:00 comentários 0
Apontar o dedo virou esporte nacional
Lula no debate do segundo turno na Globo, com Jair Bolsonaro ao fundo. (Reprodução)

Apontar o dedo virou esporte nacional. Os eleitores de Jair Bolsonaro são responsáveis por destruir a Amazônia e por colocar a democracia brasileira em risco, enquanto quem votou em Lula reabriu as portas do erário para a corrupção e ameaça quebrar a economia. Ninguém vota em candidato nenhum pelos motivos errados, mas, se for para jogar esse jogo, todo mundo tem de ser responsável por tudo. Todo brasileiro tem de se sentir responsável pelo país.

Karl Jaspers publicou A questão da culpa – A Alemanha e o nazismo (Todavia) em 1946. O regime acabara de cair e o filósofo alemão estava interessado em descobrir como seu país sairia daquele buraco. O Brasil está muito longe do terror nazista, apesar de essa ter se tornado uma referência tão comum, mas a reflexão de Jaspers serve para qualquer nação, em qualquer época.

Existem quatro dimensões de culpa para Jaspers: a criminal, pela qual os chefes nazistas foram julgados em Nuremberg; a política, que rendeu punições ao Estado alemão; a moral e a metafísica. As duas últimas não podem ser atribuídas a terceiros, pois cabe a cada indivíduo reconhecê-las. Disso dependia o futuro da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Disso depende o futuro do Brasil após o governo Jair Bolsonaro.

Se você enxergou um risco tão evidente no capitão e, mesmo assim, não conseguiu convencer seus pais a não votar nele em 2018, a culpa também é sua. O mesmo vale para quem não evitou o voto do sobrinho universitário em Lula neste ano. Essa é a única forma produtiva de brincar de apontar o dedo. O resto é tentativa de tirar o corpo fora, participando de um jogo político com o qual o eleitor não ganha nada — quanto você recebeu do fundo partidário neste mês?

Antes de sair do buraco,  é preciso reconhecer que ele é muito mais embaixo. Os militares que permitiram a Bolsonaro iludir a população com a possibilidade de uma intervenção carregam ressentimentos do processo de redemocratização. A tentativa de reconciliação foi artificial e o país não conseguiu aproveitar a Comissão da Verdade para cicatrizar nenhuma ferida.

“É tão fácil defender juízos firmes carregando nas emoções; é difícil elaborar de forma serena. É fácil interromper a comunicação com afirmações bruscas; é difícil penetrar incessantemente no fundo da verdade, para além das afirmações. É fácil adotar uma opinião e mantê-la para poupar-se o trabalho de continuar pensando; é difícil avançar passo a passo e não impedir mais questionamentos”, escreve Jaspers. E, mesmo assim, por alguma mágica, os alemães conseguiram seguir em frente, apesar do horror do passado.

Alexander Soljenítsin pensava como Jaspers, e este é um exemplo do que acontece com uma nação que não consegue superar o passado. No Arquipélago Gulag, Soljenítsin investiga o terror soviético partindo em busca da própria culpa, mesmo sem ter feito parte do regime. Pior do que isso: o autor de Um dia na vida de Ivan Deníssovitch foi mandado para a Sibéria 20 anos antes de publicar a mais célebre denúncia do stalinismo.

“Minha própria história de chegada à prisão parecia insignificante. Parei de lamentar minhas ombreiras arrancadas. Foi o mero acaso que me impediu de terminar exatamente onde esses meus contemporâneos terminaram. Compreendi que era meu dever carregar sobre meus ombros uma parte de seu fardo comum — e carregá-lo até o último homem, até que ele nos esmagasse”, escreve Soljenítsin, ao detalhar a situação dos soldados soviéticos presos por traição ao voltar da Segunda Guerra.

Essa Rússia, que perdeu durante o governo de Boris Yeltsin sua única oportunidade para acertar as contas com o regime soviético e seguir em frente (boa parte dos arquivos da época segue secreta), está nas mãos de um mesmo líder desde então. Ou os cidadãos assumem a responsabilidade por seu país ou alguém vai assumir por eles — sem, naturalmente, admitir qualquer culpa quando tudo der errado.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Gisele Bündchen reflete sobre o terceiro filho

Visualizar notícia
2

Michelle quebra o silêncio após indiciamento de Bolsonaro

Visualizar notícia
3

O comentário de Tarcísio sobre o indiciamento de Bolsonaro

Visualizar notícia
4

Putin ordena produção em série de míssil hipersônico

Visualizar notícia
5

INSS (23/11): Libera reajustes e projeções para aposentados e pensionistas

Visualizar notícia
6

Líder do agro propõe suspender fornecimento de carne ao Carrefour Brasil

Visualizar notícia
7

Filme de Spielberg usou esqueletos reais?

Visualizar notícia
8

Trump escolhe Scott Bessent para comando do Tesouro dos EUA

Visualizar notícia
9

Calendário de feriados e pontos facultativos no Brasil em 2025

Visualizar notícia
10

Jerônimo Teixeira na Crusoé: Donald Trump, a pirâmide

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Concurso público da justiça eleitoral oferece mais de 400 vagas. Veja todas as etapas

Visualizar notícia
2

Homem de confiança e altos oficiais selam destino de Bolsonaro

Visualizar notícia
3

Novo golpe digital coloca em risco dados bancários. Saiba como se proteger

Visualizar notícia
4

Líder do agro propõe suspender fornecimento de carne ao Carrefour Brasil

Visualizar notícia
5

Calendário bolsa família (23/11): Abono salarial é liberado. Confira valores e quem pode receber

Visualizar notícia
6

Filme de Spielberg usou esqueletos reais?

Visualizar notícia
7

Trump escolhe Scott Bessent para comando do Tesouro dos EUA

Visualizar notícia
8

Jerônimo Teixeira na Crusoé: Donald Trump, a pirâmide

Visualizar notícia
9

Michelle quebra o silêncio após indiciamento de Bolsonaro

Visualizar notícia
10

Rumores de benefícios para o bolsa família (23/11)

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Alemanha Alexander Soljenítsin Arquipélago Gulag Boris Yeltsin Jair Bolsonaro Karl Jaspers Luiz Inácio Lula da Silva nazismo política União Soviética
< Notícia Anterior

Lesionados, Gabriel Jesus e Alex Telles estão fora da Copa

03.12.2022 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

OMS estima que 90% da população mundial adquiriu imunidade à Covid

03.12.2022 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

O que você acha dos alunos que gravam professores em sala de aula?

O que você acha dos alunos que gravam professores em sala de aula?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Relação do Brasil com a China de Xi Jinping alcança um novo patamar

Relação do Brasil com a China de Xi Jinping alcança um novo patamar

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Janja se junta a Felipe Neto para xingar Elon Musk: passou dos limites?

Janja se junta a Felipe Neto para xingar Elon Musk: passou dos limites?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.