A Lei Rouanet é de direita ou de esquerda?
O ex-presidente Lula declarou recentemente que vai recriar o Ministério da Cultura, e a Lei Rouanet voltará a funcionar caso seja eleito. E disse mais: "Lei Rouanet não é favor, é obrigação do Estado". Logo depois, foi divulgado um vídeo com artistas, todos de branco, cantando o jingle da campanha de 1989 do petista: "Lula, lá". Tantos eram os globais, que parecia a propaganda de fim de ano da emissora...
O ex-presidente Lula declarou recentemente que vai recriar o Ministério da Cultura, e a Lei Rouanet voltará a funcionar caso seja eleito. E disse mais: “Lei Rouanet não é favor, é obrigação do Estado”. Logo depois, foi divulgado um vídeo com artistas, todos de branco, cantando o jingle da campanha de 1989 do petista: “Lula, lá”. Tantos eram os globais, que parecia a propaganda de fim de ano da emissora.
Logo, a declaração repercutiu na internet: repetia-se que a Lei Rouanet é o instrumento com o qual o PT compra o apoio dos artistas, a chamada ‘mamata’. Mas será que é assim mesmo? Qual é a origem de apoio tão ostensivo da classe artística ao Lula e ao PT?
A Lei Federal de Incentivo à Cultura, que se tornou conhecida como Lei Rouanet porque foi criada pelo então ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet, foi sancionada em 1991, e fazia parte das medidas liberalizantes do governo Collor, que tinham por objetivo diminuir o papel do Estado, não só na cultura como em outras áreas também.
Collor extinguiu a Embrafilme um ano antes. A empresa, criada durante o regime militar, produziu alguns dos mais importantes filmes nacionais. Com a sua extinção, o cinema brasileiro simplesmente parou. Muitos cineastas e profissionais do audiovisual abandonaram a profissão, inclusive Arnaldo Jabor – um dos nossos cineastas mais bem sucedidos.
O PT, que havia perdido a eleição para Collor, opôs-se tanto à extinção da Embrafilme como à criação da Lei Rouanet. Dizia que a Lei Rouanet era a privatização da cultura e levava à censura do mercado, “quando, através dos critérios ligados ao lucro e à rentabilidade do negócio, agentes privados procuram controlar a produção artística, exercendo um poder de julgamento, avaliação e seleção das obras”, como escreveu Cristina Costa.
Ora, a grande novidade da Lei Rouanet é que ela não fomenta diretamente, ou seja, ela não dá dinheiro, mas autoriza captar, entre as empresas ou pessoas físicas, uma porcentagem dos impostos, sendo, assim, um fomento indireto. O artista ou produtor, então, em vez de receber dinheiro do Estado para produzir cultura, como acontecia desde a Era Vargas, passando pelos governos militares, precisa ir às empresas captar recursos.
A Lei Rouanet, entretanto, afirmou-se como principal instrumento com o qual se financiou a cultura do país, a despeito das críticas dos petistas, inclusive quando eram do governo federal. Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura de Lula, chegou a afirmar que a dita Lei é de extrema direita.
O ministro da Cultura anterior, Gilberto Gil, também a criticou, e promoveu várias mudanças nela, além de criar uma série de editais com fomento direto. Essa foi, na verdade, a grande característica da política cultural do PT: a movimentação de milhões de reais através desse tipo de financiamento.
Diferente da Lei Rouanet, nesses editais, ao inscrever um projeto, é preciso argumentar sobre a sua importância e seu impacto social na comunidade. E o Estado decide o que vai ser aprovado ou não. Na Lei Rouanet e em seu equivalente para o cinema, a Lei do Audiovisual, o mérito artístico não é considerado, apenas o aspecto técnico do projeto, o que possibilitou, por exemplo, que filmes de Danilo Gentili e Policial Federal – a lei é para todos, longa-metragem sobre a Operação Lava Jato, fossem aprovados ainda no governo Dilma.
Como foi, então, que o petismo ficou identificado com a Lei Rouanet?
Quando a oposição ao PT foi tomando as redes sociais, buscou-se entender porque a classe artística apoiava tão fortemente o partido. Os números mais vistosos que se puderam encontrar foram os da Lei Rouanet: muitos projetos aprovados estavam na casa dos milhões. Mas a crítica ignorou uma série de fatores, como o de que ter o projeto aprovado não implica ter o dinheiro captado. Na verdade, muitos projetos não conseguem nem um centavo, e poucos são os que alcançam o valor total.
Na verdade, as ligações da esquerda com a classe artística são anteriores a qualquer mecanismo de fomento à cultura que exista hoje. Há modernamente uma identificação da classe artística com a esquerda – tanto no Brasil como nos Estados Unidos e na Europa. Ludwig von Mises mostra no livro A Mentalidade Anticapitalista o mecanismo pelo qual os artistas têm a tendência de odiar o capitalismo, identificando-se assim com a esquerda. Afinal, o trabalho artístico é o que menos tem previsibilidade em relação ao consumo.
Grandes filmes fracassaram no cinema e tornaram-se clássicos. Péssimos filmes foram campeões de bilheterias e logo depois esquecidos. No passado, cineastas perderam tudo ao investir nos próprios filmes. De modo que a solução é ser sustentado pelo Estado. A classe artística tende sempre ao estatismo, que é uma forma de sustento menos arriscada.
Desde Vargas, que teve o mais célebre ministro da Cultura do país, Gustavo Capanema, a esquerda esteve dentro da máquina pública, inclusive durante os governos militares. Quanto mais direta for a atuação do Estado nessa área, melhor para os esquerdistas. A máquina pública da cultura, que só cresceu desde Vargas, chegou ao máximo do seu tamanho nos governos petistas – era financiada não só através das leis de incentivo, mas principalmente através de editais temáticos e pontos de cultura, não só no âmbito federal como também no estadual e no municipal.
Lula promete, independente do estado da economia, voltar a alimentar essa imensa máquina que é o estamento burocrático da cultura, e por isso tem o apoio massivo dos artistas.
* Josias Téofilo é escritor e cineasta. Dirigiu os documentários Jardim das Aflições e Nem Tudo Se Desfaz.
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