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Antes de xingar um jornalista…

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Mario Sabino
4 minutos de leitura 29.03.2022 17:03 comentários
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Antes de xingar um jornalista…

A suspensão da publicação do jornal russo Novaya Gazeta, anunciada ontem, é o último golpe que Vladimir Putin poderia infligir à liberdade de imprensa no país que governa e desgoverna com mão de ferro. A publicação independente é dirigida por Dmitry Muratov (foto), que recebeu o prêmio Nobel da Paz, em 2021, justamente por seu trabalho em prol da liberdade de pensamento. Ele se viu forçado a suspender a circulação da única publicação independente da Rússia, depois de receber uma segunda advertência do serviço federal de telecomunicações do governo russo, porque estaria ferindo uma lei sobre "agentes do estrangeiro"...

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4 minutos de leitura 29.03.2022 17:03 comentários 0
Antes de xingar um jornalista…
Foto: wikimedia commons

A suspensão da publicação do jornal russo Novaya Gazeta, anunciada ontem, é o último golpe que Vladimir Putin poderia infligir à liberdade de imprensa no país que governa e desgoverna com mão de ferro. A publicação independente é dirigida por Dmitry Muratov (foto), que recebeu o prêmio Nobel da Paz, em 2021, justamente por seu trabalho em prol da liberdade de pensamento. Ele se viu forçado a suspender a circulação da única publicação independente da Rússia, depois de receber uma segunda advertência do serviço federal de telecomunicações do governo russo, porque estaria ferindo uma lei sobre “agentes do estrangeiro”. Dmitry Muratov explicou aos leitores que “não há outra solução. Para nós e, eu sei, para vocês, é uma decisão terrível e dolorosa. Mas é preciso que nos protejamos uns aos outros”. O jornal ficará sem circular, seja na versão online como em papel, até o fim da “operação militar” na Ucrânia — que é o eufemismo cínico com o qual Vladimir Putin obriga que a invasão do país vizinho seja chamada.

O pretexto para a advertência que levou à suspensão da Novaya Gazeta foi o de que o jornal citou uma ONG, sem dizer que ela foi qualificada pelo Kremlin de “agente do estrangeiro”, como exige a lei baixada por Vladimir Putin e os seus asseclas. Quem é considerado “agente do estrangeiro” deve não apenas ser qualificado como tal por quem o menciona nos meios de comunicação, como informar nas suas próprias publicações que o governo russo o classifica desse jeito. Em dezembro, uma das maiores organizações de defesa dos direitos humanos do mundo, a Memorial, fundada em 1988 pelo dissidente Andrei Sakharov, Prêmio Nobel de Física, para investigar os crimes contra a humanidade cometidos pelo ditador soviético Josef Stalin, foi fechada porque se esqueceu de dizer que era tido como “agente do estrangeiro” em algumas das suas publicações. Vladimir Putin, a quem tenho a honra de ter chamado de “carniceiro” e “açougueiro” antes de Joe Biden, deve ter sentido um enorme prazer ao proibir a atuação da Memorial, porque ele reabilitou a figura de Josef Stalin, tirando-o do lixão da história, onde deveria permanecer eternamente.

Blogueiros do PT classificaram a Novaya Gazeta como “ligado a Mikhail Gorbachev”, o ex-dirigente da União Soviética responsável pela política de abertura para o Ocidente e por reformas políticas e econômicas que levariam ao desmantelamento do império comunista. A tentativa de conferir um ar de suspeição ao único meio de comunicação independente da Rússia é tão ridícula quanto canhestra. É preciso ter o mínimo de respeito com um jornal que, desde 1993, teve seis jornalistas seus mortos por acólitos de Vladimir Putin. Entre os quais, Anna Politkovskaya, que revelou as atrocidades cometidas pelo ditador na Chechênia. Ela foi assassinada em Moscou, em 7 de outubro de 2006, aos 46 anos, com dois tiros, um deles na cabeça. Foi executada no dia de aniversário do carniceiro do Kremlin. Deram-lhe a morte de Anna Politkovskaia de presente.

Quando recebeu o Nobel da Paz, em dezembro do ano passado, Dmitry Muratov enfatizou como o regime russo propagandeava a guerra e antecipou o que ocorreria: “Uma ideia popular no meu país (e não somente): os políticos que evitam o derramamento de sangue são pessoas fracas, porque o dever dos verdadeiros patriotas é ameaçar o mundo com a guerra. O poder (russo) sustenta ativamente a ideia da guerra. Sob a influência do marketing agressivo da guerra, as pessoas se habituam à ideia de que ela é possível. O governo (russo) e os seus propagandistas são os únicos responsáveis pela retórica militarista nos canais da televisão estatal. Os ideólogos de hoje promovem a ideia da morte pela pátria, não da vida pela pátria. Não deixemos a televisão deles nos enganar de novo. A guerra híbrida destruiu as relações entre a Rússia e a Ucrânia. Não sei se as próximas gerações conseguirão restaurá-las. Além disso, nas mentes doentias dos geopolíticos, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia deixou de parecer impossível“.

Com todos os erros que a imprensa possa cometer, pense na Novaya Gazeta, antes de xingar um jornalista que publica fatos e não tem medo de denunciar poderosos.

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Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

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