"Em vez de banir o Telegram, TSE deveria responsabilizar candidato beneficiado por fake news" "Em vez de banir o Telegram, TSE deveria responsabilizar candidato beneficiado por fake news"
O Antagonista

“Em vez de banir o Telegram, TSE deveria responsabilizar candidato beneficiado por fake news”

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Gabriela Coelho
10 minutos de leitura 19.02.2022 19:54 comentários
Entrevista

“Em vez de banir o Telegram, TSE deveria responsabilizar candidato beneficiado por fake news”

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as plataformas digitais Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai firmaram dias atrás um novo acordo para combater a desinformação no processo eleitoral de 2022. Segundo o TSE, o objetivo é enfrentar as fake news, para garantir a legitimidade e a integridade das eleições.  Especialista em Direito Eleitoral e Digital, o advogado Alexandre Basílio (foto) disse a O Antagonista que a rápida disseminação de uma desinformação no meio digital é uma característica do mundo atual e precisamos aprender a lidar com ela...

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Gabriela Coelho
10 minutos de leitura 19.02.2022 19:54 comentários 0
“Em vez de banir o Telegram, TSE deveria responsabilizar candidato beneficiado por fake news”
Divulgação

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as plataformas digitais Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai firmaram dias atrás um novo acordo para combater a desinformação no processo eleitoral de 2022Segundo o TSE, o objetivo é enfrentar as fake news, para garantir a legitimidade e a integridade das eleições. 

Especialista em Direito Eleitoral e Digital, o advogado Alexandre Basílio (foto) disse a O Antagonista que a rápida disseminação de uma desinformação no meio digital é uma característica do mundo atual e precisamos aprender a lidar com ela.

Sobre a ameaça de Luís Roberto Barroso de banir o Telegram, Basílio diz que não adianta atacar “o meio”, mas buscar uma “vacina” para “tentar garantir que para toda desinformação haja uma informação de qualidade esclarecendo os fatos”.

E talvez responsabilizar o candidato beneficiado com aquela fake news. “Essa responsabilização poderia ter como punição forçá-lo a divulgar, em todos os seus canais oficiais, um esclarecimento sobre o fato, ainda que ele não tenha relação comprovada com a divulgação da desinformação. Esse dever de esclarecimento é algo que já consta no projeto do Novo Código Eleitoral, que infelizmente não foi aprovado para 2022.”

Leia a íntegra da entrevista:

O TSE firmou parceria com plataformas digitais pra combater a desinformação. Qual sua avaliação?
As parcerias são importantes para facilitar o trabalho judicial bem como viabilizar a remoção rápida de conteúdo, a identificação e localização dos usuários infratores. De outro ponto, toda colaboração no sentido de se divulgar informações confiáveis sobre o processo eleitoral é bem-vinda e esse é um dos compromissos de todas as big techs que estão colaborando com o TSE. Ainda assim, é necessário que todo operador do Direito se torne cada vez mais íntimo da tecnologia, uma vez que os pedidos adequados em suas petições são essenciais para que seja possível o cumprimento das ordens judiciais.

Redes sociais sem sede no Brasil podem virar uma brecha indesejável para ações do TSE? Por que?
O grande desafio é decidir quem será o inimigo da vez. Da mesma forma que surgiu o Telegram, outras mídias sociais estrangeiras virão. Algumas, inclusive, já operam no país, mesmo sem representação em solo nacional. É só uma questão de tempo para que elas sejam consideradas uma alternativa aos usuários, quem sabe na ausência do Telegram. Hoje temos, além do Telegram, o Google Duo, Skype, Viber, Line, Wechat, Signal e a sul-coreana KakaoTalk Messenger como exemplos de mensageiros estáveis à disposição dos usuários.

Por isso, pergunto-me, para além da suspensão da operação dessas plataformas no Brasil, haveria outra solução adequada? Penso que um dos caminhos possíveis seria responsabilizar, de forma objetiva, o candidato beneficiado por qualquer desinformação divulgada de forma maciça. Essa responsabilização poderia ter como punição forçá-lo a divulgar, em todos os seus canais oficiais, um esclarecimento sobre o fato, ainda que ele não tivesse relação comprovada com a divulgação da desinformação. Esse dever de esclarecimento é algo que já consta no projeto do Novo Código Eleitoral, que infelizmente não foi aprovado para 2022.

Quanto ao bloqueio, essa é uma questão bastante interessante e tem que ser vista de forma específica para o Telegram, separando-o de outros aplicativos de comunicação que já exercem atividades econômicas no Brasil, de forma direta ou indireta. Ocorre que o Telegram ainda não tem objetivos econômicos implementados. Sua política de venda de anúncios ainda é embrionária. O projeto fala em publicidade apenas em canais e, qualquer um que queira experimentar terá que investir 2 milhões de euros para fazê-lo. Assim, se o Telegram ainda não vende anúncios, não compartilha informações de seus usuários e não cobra subscrição, fica difícil forçá-lo a ter uma sede no Brasil, conforme pode-se interpretar do Marco Civil da Internet.

Todavia, uma vez que há tratamento de dados em território nacional, o Telegram deve respeitar a Lei Geral de Proteção de Dados, assim como já o faz quanto à Lei Geral de Proteção de Dados Europeia. 

E o Telegram? Como fica essa discussão? Parece que ele representará o principal desafio digital das autoridades durante as eleições deste ano, já que o aplicativo não tem representação legal no país. Como o senhor avalia?
Tenho dito que a desinformação digital não é um problema. Na verdade, a desinformação digital é uma característica do mundo no qual nós estamos inseridos. Desse modo, o desafio não é como vamos eliminar as fake news, mas, sim, como vamos conviver com isso. O Telegram é apenas o meio. O comportamento humano sobre a desinformação, ainda que haja um bloqueio do Telegram e de outras plataformas que vierem a existir, não pode ser mudado. A história nos mostra isso. O que diferencia o momento em que vivemos dos 2 mil anos de história anteriores é a velocidade em que se pode desinformar toda uma população pelos meios digitais. Talvez devamos olhar o problema com outros olhos. Buscar uma solução sobre como identificar uma desinformação e, de imediato, antes que ela se dissemine, aplicar a vacina correta. Dessa forma podemos tentar garantir que para toda desinformação haja uma informação de qualidade esclarecendo os fatos.

Sobre os aplicativos de mensagens instantâneas, considerados espécie de mídia social, vale a pena frisar que a principal diferença entre o Whatsapp e as demais aplicações de envio de mensagens instantâneas, é que o Whatsapp, após alguns anos e vários processos judiciais, aceitou se submeter às pressões mundiais na tentativa de reduzir o alcance das informações trocadas pelo aplicativo.

Esses limites criados não ocorreram apenas quanto ao conteúdo que gera desinformação. Pela solução proposta, todo tipo de conteúdo que trafega pelo Whatsapp, em especial, vídeos e fotos, passa por um filtro para redução do seu alcance. Uma vez que os conteúdos são criptografados entre as duas pontas do diálogo, a solução é tudo ou nada, ou se limita tudo, ou não se limita nada.

Como os administradores do Whatsapp não podem ver o que está sendo dito por quem usa o aplicativo, adotou-se como solução impedir que todos os conteúdos possam ser compartilhados de forma ilimitada. O funcionamento é simples. Toda imagem ou vídeo são substituídos por um código. Quando a plataforma percebe que esse código foi compartilhado sucessivas vezes ele impõe um limite de compartilhamentos. Se a proliferação continuar, o conteúdo é barrado. Entretanto, a segurança é feita às cegas. Ainda que seja um vídeo de uma corrente de oração, o conteúdo será barrado de igual forma, chegando a um ponto final.

Apesar disso, a burla ao recurso de segurança é bastante simples, sendo possível gerar novo código de controle para qualquer conteúdo para que a nova contagem de compartilhamentos e encaminhamentos seja reiniciada. Ou seja, não há solução definitiva e a tentativa de controle, embora funcione para end-users de baixo conhecimento técnico, não resolve o problema, sendo apenas mais um paliativo em busca de uma solução.

Assim, todos os aplicativos têm um funcionamento bastante semelhante, porém, o Telegram, e outros aplicativos concorrentes não impõe um limite de compartilhamentos, nem tampouco limita o tamanho dos grupos de usuários. Dessa forma, não vejo o Telegram como o grande vilão das eleições de 2022. Mesmo porque, sua API aberta permite inúmeras fiscalizações que não são possíveis nos concorrentes.

Há algum precedente para proibir ou mesmo banir o Telegram? Pode ser temporário, por exemplo?
Sobre o banimento, há vários precedentes judiciais brasileiros nos quais houve a suspensão de aplicativos de mensageria por horas ou por dias nos últimos anos. Contudo, o Telegram se difere dos demais aplicativos em razão da experiência que possui nessas situações. Ao todo, mais de 11 países no mundo já tentaram bloquear o APP. A Rússia o manteve bloqueado por quase dois anos através sistema de controle da internet do país, denominado Serviço Federal Roskomnadzor. 

Contudo, na prática, o suposto banimento russo nunca ocorreu, pois o próprio Telegram ofereceu uma solução aos usuários por meio da qual eles poderiam simular o acesso à aplicação como se estivessem em outro país, onde o bloqueio fosse inexistente. Isso levou o governo russo a um jogo de gato e rato. A cada novo contorno ao bloqueio feito pelo Telegram, o sistema russo tentava derrubá-lo. Ao todo, quase 20 milhões de endereços Ips (internet protocol) do Google e da Amazon na Rússia foram inativados, em uma tentativa de impedir que os usuários bulassem o bloqueio. Ainda assim, o Telegram venceu e a proibição não foi bem-sucedida em atingir seu objetivo principal. As estatísticas do Telegram demonstraram que passados alguns dias após o bloqueio russo, a aplicação não havia sofrido quedas significativas na atividade dos usuários, uma vez que a maioria dos usuários aprenderam rapidamente a contornar a barreira criada pelo governo que, cite-se, depende de apenas dois cliques.

Barroso disse que a regulamentação das redes sociais se tornou imperativa. O senhor concorda? Por que?
Muitos especialistas defendem que haja uma regulamentação das novas tecnologias. Há aqueles que defendem que um aplicativo que não respeite a soberania nacional deve ser banido do país. Há outros que entendem não haver previsão legal para esse tipo de punição. Como especialista em tecnologia e professor de direito, prefiro me posicionar em conformidade com a nova realidade a que estamos submetidos. A desinformação digital não é um problema, na verdade, a desinformação digital é uma característica do mundo no qual nós estamos inseridos. Assim, o desafio não é como vamos eliminar as fake news, mas, sim, como vamos conviver com isso.
Se o TSE bloquear o Telegram, do ponto de vista técnico, é um problema facilmente contornável por quem quiser continuar utilizando a aplicação. Ademais, ainda que a aplicação fosse efetivamente banida, quanto tempo demoraria para que surgisse algo semelhante?
Entendo que devemos nos adaptarmos ao novo mundo para pensarmos em outras formas de solução dos problemas, de preferência, que não seja apenas por meio de leis e regulamentos. Ao contrário do mundo físico, analógico, no mundo digital são os programadores que criam a arquitetura, fazendo suas próprias regras. Regras tradicionais vem se mostrando incapazes de resolver problemas do mundo digital. Nesse aspecto, solução melhor que qualquer bloqueio ou tentativa de regulamentação dos limites de atuação de uma plataforma digital, impedindo seu funcionando, seria responsabilizar, de forma objetiva, o candidato beneficiado por qualquer desinformação divulgada de forma maciça. Essa responsabilização poderia ter como punição forçá-lo a divulgar, em todos os seus canais oficiais, um esclarecimento sobre o fato, ainda que ele não tivesse relação comprovada com a divulgação da desinformação.
Esse dever de esclarecimento é algo que já consta no projeto do Novo Código Eleitoral, que infelizmente não foi aprovado para 2022.

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Gabriela Coelho

É jornalista formada pelo UniCEUB, em Brasília. Tem especialização em gestão de crise e redes sociais. Passou pelas redações do Jornal de Brasília, Globo, Revista Consultor Jurídico e CNN Brasil. Conhece o mundo do Judiciário há alguns anos, desde quando ainda era estagiária do TSE. Gosta dessa adrenalina jurídica entre pedidos e decisões. Brasiliense, cobriu as eleições nacionais de 2010, 2014 e 2018 e municipais de 2012 e 2020.

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